sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Buscando motivos óbvios

Nos dias de hoje, marcados por um desenvolvimento sem precedentes na história da humanidade, e na história da religião, podemos nos perguntar, e com razão, qual a necessidade de voltar a Tradição, quando deveríamos sempre progredir ao invés de estagnar-se ou retroceder?

O cristianismo sempre foi uma religião revolucionária, de certo, pois o Cristo pregado na cruz era de tal modo um absurdo para os judeus que aqueles que se escandalizaram foram os primeiros a se converter, e durante toda a história da Igreja não foi diferente. Não apenas a doutrina, mas também a moral cristã, surpreendiam a todos que não a conheciam justamente por sua "novidade". E ao longo dos séculos as experiências desses contatos estranhos que resultaram na conversão de milhares foram se acumulando. 

Daí temos as afirmações de fé, os símbolos, as heresias, tudo parte do tesouro da Tradição desse contato do cristianismo com séculos de história. No entanto nos últimos tempos temos verificado uma espécie de rompimento com o passado. Se antes para validar uma ideia era necessário um estudo aprofundado sobre o que os cristão de antigamente pensavam a esse respeito hoje basta apenas uma bíblia e boa vontade. Isso porque a preocupação de manter uma linha contínua entre o ontem e o hoje perdeu-se. 

Não raramente acusamos os protestantes de julgarem a Igreja conforme sua própria, e pequena, concepção de Igreja. Nos julgam por não conhecer verdadeiramente e apenas tomando um ou outro aspecto superficial acreditam julgar a Igreja inteira. Observamos então os próprios católicos fazerem o mesmo, descartando os séculos de história em troca de uma Igreja pequena, nova, superficial. 

Um ditado corrente nos seminários dita que "não há nada na Igreja que já não tenha acontecido antes", o que é claramente um conselho de como resolver os problemas atuais usando a sabedoria antiga como base. Logo, a Igreja nova, sem passado, não tem uma base e então não pode-se manter de pé sem sérios riscos de cair numa ou noutra heresia. 

Penso que seja um problema primeiramente de Identidade. É fácil reconhecer um jovem que vai a Missa todo domingo e participa de todos os encontros paroquiais. Muito provavelmente usará um crucifixo consigo ou uma camiseta que permita sua identificação. Mas há algo que difere alguém que frequenta com assiduidade a Igreja com alguém que de fato pertença a ela: Aquele que pertence a Igreja sabe que não faz parte de uma organização humana, mas tem em mente que é apenas parte de algo infinitamente maior.

Ora, um jovem que conhece todas as músicas da Colo de Deus mas é incapaz de recordar-se das afirmações de fé do credo niceno-constantinopolitano não pode ser Cristão. Perdeu sua identidade, pois nossos antepassados passaram séculos discutindo a melhor fórmula que pudesse impedir o surgimento de novas heresias, que colocariam em risco a salvação das almas, e hoje tal fórmula é apenas esquecida por ser antiquada demais. 

Não conhecendo portanto a própria fé, a própria história, ficam a deriva de toda sorte de heresias e outros perigos que o mundo possa oferecer. Não conhece, não se aprofunda. Busca aproximar o coração do Santíssimo Sacramento mas não busca compreender por meio da razão o que se passa ali. Não sabe que a fé sem razão é tão cega quanto a razão sem a fé, mas saberia se conhecesse aqueles que por séculos buscaram defender que nossa fé não é cega, mas solidamente fundamentada na razão, como bem ensinaram Santo Ambrósio, Orígenes, Santo Agostinho, São Tomás e tantos outros. 

Costuma-se dizer que uma pessoa sem passado é uma pessoa sem futuro, e o mesmo se pode dizer da Igreja, que ao apagar o seu passado, fingindo que nunca existiu, não há como resistir as heresias futuras que já vemos brotar no seio da mesma. Não se trata de viver como vivia-se a mil anos, mas de compreender que já a mil anos combatia-se as heresias mundanas que hoje vemos entrar com tanta força em nossas Igrejas. 

Não é de hoje que luta-se contra o pecado, contra a tentação, e não é de hoje que a Igreja aprende com os próprios erros e acertos. Mas insistem em enfrentar as cegas o mundo sendo que possuímos armas comprovadamente eficazes nessa luta. 

É a famosa alegoria do banco. De um lado temos uma Igreja firme, apoiada na Tradição, no Magistério e nas Escrituras e de outro temos apenas um banco apoiado no achismo. Acha-se muito, conhece-se pouco. "Acho que deveria ser assim, acho que deveria mudar", mas não sabem que tem em seu passado o conhecimento de que precisam para continuar o hoje. Caem na mesma prática protestante de criar uma doutrina e uma Igreja apenas com base no que se quer, e no que se gosta. 

Os santos e santas que durante tantos séculos lutaram bravamente para defenderem a sua, a nossa, fé, se envergonhariam de saber que jogamos hoje seu trabalho na lama, fingindo que nuca existiram, ao ponto de criar novas doutrinas apenas por preguiça de conhecer a verdadeira. 

Quais as razões então, para retomarmos a Tradição? É um caminho seguro à salvação, experimentado não por alguns, mas por uma multidão de santos e santas. É o saber que no passado se encontram as respostas para o presente e para o futuro. É apoiar-se não nas próprias crenças, mas naquilo que já foi dito, experimentado e vivido por tanto tempo que garante que estamos caminhando no caminho certo e não tateando às cegas o que se acredita que seja a Igreja.

Precisamos tirar a venda que nós mesmos colocamos. Não precisamos procurar fazer a vontade de Deus, pois muitos já o fizeram e nos ensinam a fazer o mesmo. Temos a sorte de não viver nos primeiros séculos do cristianismo, quando a fé precisava ser provada ou seriamos lançados aos leões, mas ainda que tenhamos a disposição tudo o que foi dito por aqueles que foram lançados aos leões, apenas jogamos aos porcos o que nos foi ensinado, sob a soberba pretensão de buscarmos sozinhos o que deveria ser a verdadeira fé. 

Não é preciso buscar um novo meio de rezar, se já temos diversas formas ensinadas e vividas, eficazes na vida de tantos que já se foram, nem sequer conhecem as que já existem e querem o novo. Não é preciso buscar uma nova forma de cantar quando nem sequer conhecemos as que já existem. Não é preciso buscar uma nova forma de evangelizar, quando já temos a prova de como deve ser dar a evangelização.

Busca-se o novo sem nem ao menos conhecer o já existente. Julgam que será insuficiente apenas porque não querem a verdade de fato, mas querem a própria vontade. O novo apenas deveria ser buscado quando o velho não mais desse resultado, mas se não é o caso, percebemos que não se busca uma nova verdade, mas apenas travestir a própria vontade de verdade.

O cristão de hoje é soberbo, pois pensa que pode sozinho descobrir o que é o certo e o errado, quando 21 séculos de santos buscam ajudá-lo nessa caminhada. A Tradição é portanto a única corda que nos segura e que impede que sejamos lançados, por nossas próprias mãos, ao mar do desconhecido, e pela história sabemos bem que os homens quando não conhecem erram muito antes de acertar. Não precisamos mais errar, não precisamos mais buscar o que é o certo, apenas abrir os olhos e perceber que a verdade que procuramos está bem a nossa frente, no passado, e não num futuro incerto. 

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