sexta-feira, 23 de abril de 2021

Expectativas

"Para estabelecer minha identidade, tenho que me comunicar com as mentes de muitas pessoas. Tenho que examinar isso que está no meu núcleo." (Neon Genesis Evangelion)

Todos temos algum tipo de expectativa, seja acerca do dia próximo ou do alguém próximo que nos cerca. Especialmente daqueles que amamos nós esperamos que esses sejam para nós aquilo de que precisamos. Amigos, amantes, mestres, companheiros, todos provocam em nós algum tipo de expectativa. 

De uns esperamos a compreensão, de outros a lição de sabedoria de vida, de outros o abraço quente do amor. Infelizmente essas expectativas são sempre projeções do que falta em nós que jogamos sobre o outro. São manifestações daquilo que falta em nós e que desejamos, são um desejo que estampamos na figura do nosso próximo. 

Claro que isso não poderia deixar de ser uma fonte quase inesgotável de decepções. Mas esperar do outro aquilo que ele nunca se propôs a nos dar é, no mínimo, injusto e irreal. Criamos então uma imagem do outro dentro de nós e nos decepcionamos quando a imagem real não corresponde a ela, e então culpamos o outro. 

Mas eu, no entanto, culpo mais a mim, que criei aquela imagem de modo arbitrário. A versão do outro que há em mim contém sim algo do outro, mas não é o outro, e o outro que há em mim não pode corresponder exatamente ao que o outro é, ao menos não totalmente, visto que conviver é constantemente lapidar essa versão do outro que há em mim e o outro real numa tensão permanente entre o Eu, o próximo e a dialética com o mundo que nos cerca. Não é justo nem conosco e nem com os outros esperar demais, somos limitados demais para isso. 

E, infelizmente, de limitações eu entendo bem. Nesse exato momento eu me culpo e me xingo violentamente por não ter força suficiente para ajudar a minha mãe, me culpo estar aqui, numa cama lambendo minhas feridas mentais sem conseguir me colocar de pé e fazer algo que preste. Me culpo por não ser mais forte e me culpo por não conseguir fazer o que todos esperam de mim. Me culpo por sequer conseguir olhar nos olhos das pessoas e pedir perdão por ser tão fraco e limitado. Me culpo por não conseguir fazer nada com relação ao fato de que eu as machuco e nada posso fazer para reparar. Me culpo e a culpa já se tornou parte integrante do meu ser, convivendo com esse monstro que já não sussurra em meu ouvido, senão que grita e me espanca diariamente, destruindo o que restava de mim nesse corpo.

Me parte o coração perceber isso, o quão limitado eu sou. E quando digo coração, não digo apenas o que se refere aos meus sentimentos, mas o centro do meu ser, onde há o que sou, minha essência, e vejo que o que sou é insuficiente para o mundo que me cerca, vejo que o que eu sou é apenas um nada em meio a imensidão. 

Por isso sou tomado pela melancolia com tanta facilidade, por isso desisto, de mim mesmo e de meus sonhos, com tanta frequência. Há um vazio no lugar da essência, de modo que, sem essa chama interior eu apenas ando como uma máquina sem coração, sem razão, e o esperar pela morte se torna a única centelha de esperança, não porque nela encontrarei alguma razão, mas porque nela eu finalmente poderei descansar e não mais me incomodar com o fim, não mais me incomodar com o fato de que eu simplesmente não sou bom o bastante para esse mundo, que não sou bom o bastante nem mesmo para aqueles que eu amo. 

Criar expectativas para o outro é uma coisa injusta, e causa de queda para muitos de nós, mas criar e frustrar expectativas nossas é ainda pior e profundamente doloroso. Isso porque somos falhos, fracos, e há uma imperfeição em nós que não pode ser complementada senão com nossa relação com o próximo. No entanto, a distância entre o nosso coração e o coração de toda a humanidade torna essa complementação impossível, e por isso sofremos tanto, pois estamos, ao mesmo tempo, tão distantes e tão próximos daquilo que poderia nos tornar perfeitos e sem dor: o coração do outro. 

"- Isso é tudo?

- É só uma parte.
- Você não pode dizer o que é a verdade Shinji. 
- A verdade é subjetiva. Você mal pode dizer o que pode sentir. É fato.
- A verdade esta dentro de você!
- E os fatos que permanecem na sua lembrança são os que se tornarão a sua verdade. 
- A verdade pode ser mudada de tempos em tempos, as vezes. 

- Isso tudo é fato? Esse é o resultado de tudo?

Isso é real, mas uma entre muitas realidades.
- Essa é a conclusão que você queria!

Eu... queria?

- Isso, você quis a destruição total. Você desejou um mundo no qual ninguém seria salvo. 

- Não, eu não desejei isso! Os outros não me salvaram?

- Nniguém pode salvá-lo de si mesmo. 
- Isso foi o que você desejou.  
- Destruição, morte, e o retorno a inexistência. Você desejou essas coisas!
- É a realidade que existe.

- O que é a realidade?

- Esse é o seu mundo.
- Um mundo  para você mesmo. Que existe sem tempo, espaço e mais ninguém.
- Um mundo em que cada faceta foi determinada por você.
- Esse é o mundo em que você espera que os outros lhe deem alguma coisa. 

Essa é a realidade." 

(Neon Genesis Evangelion)

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