domingo, 4 de abril de 2021

Os Três Dias


Eu sei que ainda é cedo pra dizer isso mas, já estou extremamente desgastado pelo tríduo que sequer começou. Todos os anos eu preciso ficar muito ocupado com todos os detalhes de cada celebração e isso é muito, muito cansativo, mental e fisicamente. São tantos problemas que aparecem a todo momento, e tantos ajustes a se fazer que eu sinceramente não sei como eu aguento. Claro, muito embora eu fique dias descansando após a Páscoa, é quase um milagre que eu consiga chegar vivo até lá. Não estou conseguindo andar direito, e estou tremendo, meu estômago e meus músculos doem, sinais claros de fadiga e cansaço. Esse ano, de algum modo, eu estou ainda mais sensível e, por isso, antes mesmo da primeira celebração eu já estou exausto como se tivessem passados dias em extremo estado de alerta. Em estado de alerta eu estou mas, não era pra ser tão cansativo assim. Logo vou me aprontar e, depois, volto apenas no fim da noite, após aprontar algumas coisas para a celebração de amanhã. Minha preocupação, no entanto, já está em sábado, quando a celebração é mais longa e necessita de mais atenção e muito preparo. Não duvido da minha memória, por outro lado, duvido que consiga chegar inteiro até lá. 

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A celebração do segundo dia terminou já fazem algumas horas. O cansaço não diminuiu, eu apenas me acostumei, como sempre acontece e, de algum modo, consigo ignorar boa parte dos impulsos que sinto. Em comparação a ontem a celebração de hoje foi bem mais tranquila, sem tropeços e sem erros muito grandes, claro, também trata-se de uma celebração bem mais simples, então não há mérito nenhum nisso. 

Por outro lado eu continuo me cobrando demais, em cada detalhe pequeno que poderia ter sido melhor ajustado. Me dói constatar que eu não posso fazer tudo sozinho, não que eu faça tudo perfeito, muito pelo contrário, mas pelo menos a mim eu posso corrigir; Quando alguém sai andando de modo desengonçado na minha frente, eu posso até falar alguma coisa, mas isso não significa que a pessoa vá me ouvir ou que ela consiga mudar isso. É exatamente o que acontece na comunidade. Reconheço a minha falha em não conseguir me comunicar melhor, mas eu não posso fazer tudo por todos e, infelizmente, isso significa que nem tudo sai do jeito que eu queria. Claro, é frustrante perceber que as coisas são assim, mas não me restam forças pra tentar muito mais do que isso, então me resta apenas aceitar.

Mais uma vez, e isso na realidade é uma reflexão que fiz ontem mas apenas hoje consigo colocar em palavras, eu percebo o quanto sou fraco e limitado. Se fosse mais forte conseguira aguentar por mais tempo as obrigações como exige a função. Se fosse mais forte eu não estaria tão limitado pelas minhas dores e pelo torpor que me domina tão logo o cansaço comece a aparecer. E é com isso que recai sobre mim um peso enorme de ser um grande fracasso em tudo que me proponho a fazer. Não há, literalmente, nada que eu consiga fazer de modo perfeito e que seja digno de algum reconhecimento, absoluta é a certeza que eu tenho da minha total incapacidade, só me restando então ser, de algum, instrumento pra que ele faça algo melhor e perfeito, mesmo sendo eu tão imperfeito. 

Não apenas a atual situação do mundo mas também a minha depressão me fazem pensar o tempo todo que qualquer vestígio de perfeccionismo foi abolido da minha vida: não dá pra querer ser perfeito. Eu faço o que dá pra fazer, sinto o que dá pra sentir e ofereço que é possível oferecer. Enquanto o outro pode, de algum modo elaborar algum eventual desgosto que isso cause eu apenas consigo elaborar a minha sobrevivência. 

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Como a celebração de ontem aconteceu no meio da tarde eu tive um pouco mais de tempo pra descansar até hoje, quando acordei pra ir preparar a celebração da noite. Mas ficar um pouco mais na cama fez meu corpo entender que poderia relaxar e, quando me levantei sem que isso tivesse acontecido eu acabei sentindo toda a carga do cansaço acumulado no últimos dois dias. Meus braços estão fracos e meus pés já não respondem com rapidez. A celebração de hoje é a mais longa e complexa do ano e ainda vai me exigir muito até que eu consiga descansar de verdade. 

Bom, escrevo agora várias horas depois do parágrafo anterior, após a Vigília Pascal. Nem tudo foi perfeito, e eu nem esperava que fosse, vide o que escrevi logo mais acima, mas acho que posso dizer tudo correu razoavelmente bem, dentro de limites aceitáveis para desencontros e enganos. Agora meu cansaço já não pode ser descrito direito. Resta apenas uma celebração amanhã cedo e então eu talvez consiga descansar, com meu corpo pedindo por isso. Uma vez mais eu não sei como foi que consegui chegar até aqui. Sequer consigo elaborar um pouco mais as palavras ou dizer algo de novo, mas infelizmente o cansaço me consumiu de tal modo que, ao contrário dos anos anteriores, eu sequer consegui aproveitar as celebrações, com um fluxo de preocupação no máximo, bem como um esforço tremendo pra estar de pé, apenas de pé, sem ir muito além disso. 

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Finalmente em casa após a última celebração. Não preciso dizer de novo como me sinto (fisicamente) apenas estou feliz que tenha acabado, que eu tenha, ainda que de maneira bem medíocre, conseguido chegar até aqui. Como disse, esse ano eu não consegui aproveitar muito das celebrações, infelizmente, mas espero que elas tenham bons frutos daqueles que as assistiram e participaram, de modo que o meu cansaço a outros descansem. Assim eu me sinto e uso como força pra continuar, quando tudo parece perdido, vazio e sem contorno. Também não sinto aquele orgulho em ter conseguido chegar ao último aleluia com louvor, pelo contrário, sinto vazio, tristeza, cansaço e, ao olhar para o sorriso do meu amigo ao meu lado, uma vontade de ser abraçado, uma crescente carência que se apresenta quando estou cansado demais e um desejo de preencher esse gigantesco vazio existencial com alguma companhia. Acho que ao final desses dias tudo o que eu queria era alguém para me amar, ficar ao meu lado, com quem partilhar esses momentos difíceis e, depois, dormir juntos esquecendo tudo o que me deixou exausto nos últimos dias...

Nessa época do ano algumas pessoas da nossa paróquia se desanimam nas adversidades, se cansam, se chateiam, se desentendem e pensam em desistir. Mas devemos lembrar que nosso cansaço extremo deve nos recordar que, de certo modo, estamos participando do sofrimento da Paixão de Nosso Senhor e que a história não terminou na cruz ou encerrada no sacrário. O Rei da Vida, cativo, foi morto mas reina vivo, cantamos na sequência da Missa da Páscoa. Assim também nós, renovados pela força de tão augusto sacramento somos ressuscitados com Ele para uma história que não tem fim, uma vida eterna de alegria diante da visão beatífica do Pai. Que o nosso cansaço a outros descanse e, principalmente, que cada detalhe da celebração, orações, hinos, flores, gestos, lágrimas, sejam um testemunho que atraia, como Cristo ao ser elevado na Cruz atraiu todos a si. Deus quis precisar de nós para leva-Lo aos outros. É isto que traz sentido a todo esse esforço sobre humano que empreendemos nessas celebrações. Feliz Páscoa!

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