terça-feira, 20 de abril de 2021

No âmago da alma

"De alguma forma, nunca consegui me ajustar na sociedade. Não gosto da humanidade. Não tenho o menor desejo de me ajustar, nenhum senso de lealdade, nenhum objetivo de fato." 
(Bukowski)

Basta uma pesquisa rápida na internet para perceber que existe um grande número de pessoas que se aventuram a falar sobre vazio existencial. Elas são motivadas pelas próprias experiências e, pelo que pude perceber, se dividem em dois grupos: as que reclamam do vazio que as assolam, as tornando mais sensíveis as sutilezas da poesia e, por isso mesmo, acabam falando de um modo poético sobre como os desprazeres dessa vida lhes fizeram atentos ao grande vazio que há em nós. Faço parte desse grupo, não preciso dizer. O segundo, no entanto, parece estar na antípoda da relação com a existência: são pessoas que têm formulas certas de como vencer o vazio, parecem firmes em ensinar como trazer um sentido pra vida, como viver cada dia repleto de significado. Minha breve aventura online identificou um coach, um bispo de uma seita pentecostal e tantos outros que não fui atrás da atuação. 

Esses últimos parecem viver com um sentido pra própria existência, e de fato realmente devem tê-lo só estão enganados quanto a qual o seja. Eles não encontraram no dedicar-se a Deus ou a própria carreira e desenvolvimento pessoal as respostas para o seu vazio mas, de algum modo, essas coisas os desviaram da atenção que deveriam dispensar ao vazio e então ali, a esse espaço um pouco mais iluminado, eles vivem ignorando o grande abismo que há logo ali, ao seu lado, ameaçando-os constantemente de os engolir na mais profunda e gélida escuridão. Eles temem o vazio que os assusta, fogem do demônio que ameaça devorar o seu ser devolvendo-os ao nada, e por isso se dedicam tanto ao trabalho, ao estudo, ao crescimento, porque assim não terão tempo de olhar para o abismo e, sendo assim, o abismo não olhará de volta para eles. 

Muito embora eu goste de como a veia poética tenha um efeito de catarse no sentimento de vazio, e que quando escrevo expressar esse vazio também seja um pouco reconfortante, para não dizer que me permite respirar com um pouco mais de leveza, mas a verdade é que os poetas enfrentam o abismo de frente, mascarando com sua poesia, isso é bem verdade, mas ainda assim precisam estar de frente com o perigo da morte, não da morte corporal apenas, mas da morte do coração, para assim então conseguir colocá-la num poema, numa prosa ou numa música. O poeta usa uma máscara, mas o amante do otimismo existencial esses conseguiram dar as costas ao abismo, conseguiram fugir dele, como covardes, é verdade, mas a ameaça é tão grande que ninguém pode ser recriminado por isso. Embora seja poeta, eu queria muito ser do outro grupo, queria poder dizer com sinceridade aos outros que não vale a pena desistir, que isso vai passar, que há uma luz a qual devemos nos agarrar, mas eu não posso dizer isso e, quando o digo, o digo mentindo. 

A verdade é que não sou capaz de crer em nada disso. Esperança, amor, futuro, otimismo. Tudo isso não passa de um monte de palavras vazias, repetidas até a exaustão para despertar uma reação sentimental imediata no ouvinte, são fetiches, não são coisas reais, são engodos usados, pelos homens e pela própria ordem das coisas para ensinar algo aos homens, talvez seja justamente para ensinar que não há uma luz no fim do túnel e que, por isso mesmo, o fim do homem está aqui e que por isso devemos aproveitar bem. Mas e quando aproveitar apenas aumenta o vazio, fazendo-o consumir tudo, até parecer não deixar mais do que uma casca vazia, já sem vida. Disseram que eu estava abatido, e eu pensei, que não estava abatido, estava morto, apenas esperando ser enterrado. O que é verdade, há muito eu não sei o que é sentir-se vivo. 

Por isso que não sente-se vivo não sai da cama, não toma banho e não se importa com o cheiro ruim do corpo, que não é pior do que o cheiro podre da alma. Por isso não há sentido em se cuidar, em se preocupar com horário ou em estudar se nada será retido e tudo se esvairá como poeira ao vento. 

"Existe um vazio bem no âmago de nossas almas. Uma imperfeição fundamental que tem assombrado todos os seres desde o primeiro pensamento. Em um nível primitivo, o homem sempre esteve ciente da escuridão que mora no núcleo de sua mente. Temos procurado escapar desse vazio e do temor que ele provoca, e o homem procura preencher esse vazio." 
(Neon Genesis Evangelion) 

É isso o que o vazio faz com o homem. Ele nos torna loucos, ávidos a preencher do vazio, família, amigos, jogos, bebidas, relacionamentos, todas tentativas de vencer e para a grande maioria isso funciona muito bem. Mas para alguns, como eu, desafortunado poeta sem talento, só resta o longo adágio lamentoso de uma sinfonia final que, num diminuindo termina quase inaudível, num solo seco de oboé, anunciado o último fechar dos olhos do herói. Um único golpe no tímpano termina a obra, encerrando o ciclo de execuções e marcando o fim, senão real apenas simbólico daquele que o compôs. 

A catarse do poeta é temporária, a ilusão do beletrista parece ser mais duradoura. Tão logo fechamos os olhos somos colocados de frente com uma realidade dura e intransponível. Muito embora seja uma sensação de vazio há na nossa frente uma imensa porta que parece guardar todos os segredos que poderiam responder aos nossos anseios. Mas não é permitido aos homens cruzar os limites impostos pelos deuses desse mundo, e somente o Deus do outro tem todo conhecimento. Quando a nós, tentamos fugir, mascarar, e criar laços para tentar nos distrair um pouco que seja, dessa realidade tão difícil, tão dolorosa, tão corrosiva, tão vazia. Que perspectiva tão patética, realmente só falta enterrar. 

"O que eu odeio é que algum dia tudo se reduzirá a nada, os amores, os poemas. Acabaremos recheados de terra como um taco barato. Que coisa mais triste, tudo é tão triste - a gente passa a vida inteira feito bobo pra depois morrer que nem besta." 
(Bukowski)

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