sábado, 10 de abril de 2021

Nas palavras do velho Buck

O velho Buck vai falar mais do que eu hoje. De algum modo eu espero ter conseguido fazer com que as minhas palavras se mesclem com as dele, fazendo-me aproveitar de sua experiência, em comparação com as minhas para, quem sabe, conseguir dizer algo que expresse um pouquinho do que sinto...

"De alguma forma, nunca consegui me ajustar na sociedade. Não gosto da humanidade. Não tenho o menor desejo de me ajustar, nenhum senso de lealdade, nenhum objetivo de fato."

Poucas vezes na vida eu me identifiquei tanto com alguém quanto como me identifiquei com as coisas que o velho Charles Bukowski escreveu. Realmente ele tinha uma percepção diferente do mundo, das relações humanas e de si mesmo. Certa vez ele disse "Me sinto bem em não participar de nada. Me alegra não estar apaixonado e não estar de bem com o mundo. Gosto de me sentir estranho a tudo..." Isso mostra, com uma potência sugestiva bastante sutil a dificuldade que este homem teve em se encaixar no mundo e, não conseguindo, acabou encontrando um lugar pra si, sozinho, alheio a toda loucura, a toda insensatez dessa existência. 

Esse é um sentimento bastante recorrente pra mim: o de me sentir absolutamente estranho a tudo e todos. Mas eu já falei muito sobre isso em outras oportunidades, e em nada vai me ajudar ficar repetindo. Eu preciso seguir os passos dele e passar a me sentir bem em estar alheio, resilientemente alheio ao mundo que me cerca, ao caos que sufoca e a solidão que pesa o peito e esmaga a alma. 

Noutro momento, no entanto, ele disse "Eu estava longe de ser uma pessoa interessante. Não queria ser uma pessoa interessante, dava muito trabalho. Eu queria mesmo um espaço sossegado, e obscuro pra viver a minha solidão; por outro lado, de porre, eu abria o berreiro, pirava, queria tudo, e não conseguia nada". A contradição é latente, por mais que alguém se sinta bem na solitude em algum momento a solidão vai falar mais alto e, como geralmente isso acontece por causa de um fato externo, no caso dele a bebida e no meu os remédios pra depressão, é praticamente inevitável sentir-se derrotado diante disso, diante da perspectiva de participar, ser parte de um mundo e não conseguir. E me irrita profundamente, principalmente porque eu sei bem que que desejar fazer parte de algo é mais do que uma necessidade básica do homem que é um animal social, mas é muitas vezes apenas um retrato caricato de uma imaturidade, de alguém que não se desenvolveu e continua choramingando como uma criança que foi excluída da brincadeira com os amiguinhos. É patético.

"Posso viver sem a grande maioria das pessoas. Elas não me completam, me esvaziam." Eu tenho experimentado isso com uma força brutal nas últimas semanas. Depois de tanto tempo eu cedi aos aplicativos de encontros e saí com algumas pessoas, sabendo bem do resultado que isso traria mas dando ouvidos aos instintos sexuais primitivos que eu tenho. Saí com alguns caras que eu sequer sei o nome, entreguei meu corpo, fiz coisas como se tivéssemos a maior intimidade do mundo e não como se não tivéssemos nos conhecido há cinco ou dez minutos. Não fui o primeiro da humanidade a fazer isso, essa forma de prostituição é tão velha quanto a própria humanidade, e continua existindo por alguma razão. Mas, enquanto estava com eles, tentando esquecer aquela visão do homem que eu gosto que insistentemente aparecia na minha mente todas as vezes que eu fechava os olhos, enquanto me beijavam, tocavam e chupavam, eu apenas me sentia mais e mais vazio. Era como se eu fosse apenas uma boneca de trapos, fazia o que eles queriam que eu fizesse mas não estava ali realmente, estava np completo vazio, um passatempo de prazeres vãos, em que toda a graça escapa das mãos, me fazendo voltar pra casa em ruínas, como diz a música. 

Cheguei realmente a pensar que, ainda que por um ínfimo instante, que um momento de prazer poderia aplacar esse vazio, esse desejo que nunca cessa, que nunca se aplaca. Mas não aconteceu. Isso tem me feito perceber que a presença das pessoas é algo cada vez mais desgostoso, nas palavras do velho Buck "Quanto mais o tempo passa, menos eu significo pras pessoas e menos elas significam pra mim." Mas isso também se manifesta de modo contraditório, numa tensão interna de meu próprio ser, em que me afasto das pessoas, fugindo do barulho e das resenhas, enquanto alimento esse meu maldito desejo um toque dos lábios, um segurar das mãos, um abraço apertado. Eu odeio esse desejo com todas as minhas forças pois me faz passar pelas situações mais humilhantes. Eu realmente pensei que ele viria ficar comigo? Realmente pensei que dormiríamos juntos? Você é patético Gabriel, desprezível! Ele pode até ir dormir com outra pessoa, pode aquecer outro corpo essa noite, ele pode amar ela de verdade, mas amor, ah o amor, isso não é pra todo mundo, o amor é pros que aguentam a sobrecarga psíquica.

E eu que cheguei a achar que isso, abandonar o valor e o significado das pessoas para mim seria a forma de ser feliz, sem estar preso. Achei que isso, aceitar a solidão de braços abertos e a transmutar em solitude seria minha salvação, ainda que no fundo do poço, mas eu estava tremendamente enganado. Quando a gente acha que chegou no fundo do poço, sempre descobre que pode ir ainda mais fundo. Que escrotidão.

"Cheguei numa fase da minha vida que vejo que a única coisa que fiz até agora foi fugir, fugir de mim mesmo, do meu nada, e agora não tenho mais para onde ir, nem sei o que vou fazer, fui péssimo em tudo."

~

Todos os trechos em itálico são excertos de Charles Bukowski.

Nenhum comentário:

Postar um comentário