quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Onde reclinar a cabeça


“As raposas têm suas tocas e as aves dos céus têm seus ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mt 8,20).

Algumas pessoas não pertencem a lugar nenhum. Algumas pessoas estão condenadas a vagar os seus dias pela terra sem nunca encontrarem seu lugar. Algumas pessoas são viajantes em seus próprios corpos.

Talvez, numa perspectiva cristã, isso signifique que a alma humana nunca pode contentar-se com a vida terrena, estando ela destinada a eternidade onde não pode ficar limitada a um corpo e a uma vida tão limitados quanto nossa existência atual.

Será que é esse o ímpeto que sinto no fundo do meu peito? Essa sensação de não pertencer a lugar nenhum, esse sentimento de sempre querer algo mais é o meu desejo mais primitivo de eternidade? Talvez minha alma tenha feito essa impressão em meu coração: ela sabe que não pertenço a esse mundo, e sabendo disso não permite que eu me dê por satisfeito com essa existência terrena, tão pobre, limitadora...

O fato é que eu amo contemplar esse mundo. Amo o céu estrelado ou repleto de nuvens, amo o farfalhar das oliveiras próximas a minha casa que brilham sob o sol refletido no orvalho após a chuva, amo as músicas que parecem transcender o tempo e tocarem o meu coração nascido tardiamente... Eu amo todas essas coisas mas, mesmo assim, ao olhar o mundo ao meu redor eu ainda não me sinto parte dele. É como se fosse apenas um observador, sem ter de fato algum objetivo real para cumprir aqui. 

Percebo que as pessoas ao meu redor não tem essa concepção ou, se ja pensaram nisso alguma vez, o escondem muito bem. As pessoas estão conformadas com suas vidas. Acostumadas com essa existência, seja ela a mais patética de todas ou a mais glamourizada. Falo das pessoas que levantam cedo todos os dias e trabalham arduamente, para apenas voltar as suas casas num breve descanso até chegar a hora de se levantarem de novo, intercalando tudo isso com alguns poucos momentos de divertimentos vazios. Mas também me refiro aqueles que não precisam de nada disso, que aproveitam suas fortunas inestimáveis de maneira desordenada sem nunca pensar em nada realmente grave como isto. Ambos são iguais, vivendo para seus trabalhos ou para seus divertimentos. Não são diferentes dos animais, que apenas caçam e se reproduzem sem nunca pensarem nada além disso. 

E eu me sinto outra coisa, mas não precisar o que exatamente, e é isso o que mais me frustra. Não saber é uma frustração constante. Parece até que sou menor do que aqueles que, também não sabendo, fingem saber para enganar a si mesmos e aos outros, de forma a esconderem o pavor que eles mesmos também sentem, e fingem não saber. 

Não há portanto lugar para mim nesse mundo. Não há ombro amigo que possa chorar essa minha frustração e não há coração que possa compreender minhas ânsias. Não há uma segunda chance para mim, que faço parte da estirpe dos condenados a cem anos de solidão. 

Continuo a vagar sem rumo pela terra. Sem rumo, sem destino, sem norte. Um monstro sem par. Uma criatura qualquer que nunca encontrou o seu lugar. 

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