segunda-feira, 27 de maio de 2019

Do ser

Eu sei, como você se sente sufocado por todos a sua volta, sei como se sente deixando-se de lado para ajudar alguém que ama e sentindo-se vazio quando percebe que deu tudo de si e nada recebeu em troca. Sente como se algo te sufocasse, como tentáculos prendendo as pernas, os braços e a esmagar o seu pulmão. É horrível, como se não pudesse correr, como se não pudesse sequer abaixar para abraçar a si mesmo. 

Esse peso, esse sentimento sufocante, essa névoa que não te deixa enxergar nada é o vazio que ficou quando esvaziou-se de si mesmo. É o buraco deixado por esquecer do seu amor e por se angustiar no vazio que ficou ao deixá-lo partir.

É horrível não é? Olhar-se no espelho e não reconhecer a imagem nele refletida. Ouvir as próprias palavras e não reconhecer quem as diz. É horrível não saber mais quem somos e nem o que queremos. 

Isso porque não podemos nos abandonar no encontro com o outro. O outro deseja um encontro com nosso ser, e por isso não podemos abandonar esse ser. Precisamos ser para encontrar o outro. Não podemos pegar do outro para nós, isso nos fere, isso pesa, isso sobra de nós. Tudo o que podemos fazer é nos afinar uns nos outros, aparar as arestas e retirar os excessos, tudo isso do confronto, do contato, com o outro, e é nesse processo que vamos descobrindo quem somos, sem nos abandonarmos. Não podemos existir aos poucos, ou somos quem somos ou não somos nada. 

Quantas coisas existem em nós que não sabemos de onde vieram. A começar pela nossa carga genética, há cobras e lagartos ali e não sabemos de onde veio tudo isso. Nossos gostos, nossas manias, nossas ideias, nossos valores. Quantas coisas pegamos dos outros, acrescentamos a nós sem nos perguntarmos se aquilo pode, ou não, nos acrescentar de verdade. Simplesmente tomamos para nós. Terminamos por funcionar pela simples aglutinação de problemas. Quando percebemos já estamos carregando mais do que podemos suportar, e isso nos faz cair. Precisamos nos libertar!

Claro que isso é doloroso. O inferno são os outros, disse Sartre. Esse contato sempre nos faz sentir que o outro nos oprime, que ele nos suga e que nos escraviza, e as vezes faz tudo isso mesmo, mas é preciso continuar lutando, continuar retirando de nós tudo aquilo que não é nosso. É preciso definir o limite entre o eu e o outro. Por andar raro o bom senso, acabamos sendo obrigados a dizer não a solicitações que nem deveriam ter sido feitas, mas são essas ações que acabam por nos ajudar a definir quem somos, em contraste com todos os outros que nos rodeiam...

Assim conquistamos o direito de dizer "Eu sou". Assim definimos quem somos, assim passamos a ser nós mesmos, sem tomar como nossos elementos que não o são. Assim nos tornamos livres para ser, para viver.

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