terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Concepção realista

Talvez essa seja apenas mais uma tentativa patética de mimetizar o estilo do autor que estou lendo. Estava um tanto quanto pedante, ou talvez não, nos últimos dias por estar lendo Machado de Assis e José de Alencar e agora que comecei uma obra de Bukowski fui tomado por aquela concepção realista crua e cética da vida. 

Cheguei em casa ontem bem cansado, suado do ônibus fechado e úmido da chuva que peguei até o ponto. Continuo usando tênis que molham demais e fico com os pés molhados o dia todo, larguei as meias cinzas no chão do quarto. A  casa estava um caos porque minha irmã decidiu trocar o guarda-roupas do quarto e pra isso precisou espalhar tudo o que estava no anterior e a cama pela casa inteira. E eu só queria chegar, tomar um banho rápido e estudar um pouco antes de cair de cansaço mas nem isso foi possível. Com as chuvas dos últimos dias aqui na região várias estradas e pontes foram interditadas, muitos acidentes aconteceram, e o abastecimento de água foi prejudicado e eu precisei então esperar as coisas se acalmarem, eles terminarem de montar o bendito guarda-roupas e tomei um banho rápido jogando água no corpo com uma vasilha. 

O cansaço mental foi um pouco maior do que o que eu tinha planejado e, bem, eu só consegui vestir a primeira coisa que achei, uma bermuda grande demais que acabei pegando do meu primo e a parte de cima de uma pijama pequeno demais pra mim. Não lavei o cabelo e hoje cedo eu só coloquei ele num coque samurai rápido e preguiçoso, mas todos devem pensar que faz parte do meu estilo, já que pra disfarçar a camisa surrada do meu uniforme eu coloquei também um kimono que me deixa com a aparência de quem sabe o que está fazendo.

Mas eu não sei, apenas estou seguindo o fluxo. As notícias de alagamento não me surpreenderam nem quando foi dado o alerta pro meu bairro que, por ser uma ilha, poderia ficar complicado com a cheia. Talvez assuste as pessoas dizer que, na verdade, eu já não me incomodo em me preocupar porque já estou morto por dentro e não tenho mais nem razão e nem forças para reagir. Talvez seja porque me encontro num episódio depressivo mas também não queria colocar tudo na conta do meu transtorno de personalidade. 

De todo modo eu me encontrei assim, sentado e desesperançado de frente a televisão, acompanhando mais uma dentre tantas histórias, com uma bermuda grande demais, a pele grudenta e o tempo úmido e quente demais pro meu gosto porque deixa aquela sensação de desconforto permanente e faz com que o cansaço se acumule e transborde em mau humor e uma vontade imensa de tomar aquela quantidade absurda de remédios pra dormir e apagar por uma dúzia de horas. 

Tinha planejado beber também, e aliviar um pouco dessa fadiga, se bem que não há alívio nenhum apenas um brevíssimo momento de suspensão, tão ínfimo que chega a ser quase imperceptível, mas acabei atacando uma porção de bolo com creme de açúcar demais até pra mim e então preferi simplesmente dormir quando a série acabou e me deitei depois de colocar pra tocar o Ein Deutsches Requiem do Brahms, adormecendo antes de chegar no segundo compasso. 

Lembrei então, brevemente, daquele perfume da pele misturado com o suor, aquele perfume de transpiração que vem das cenas de amor, que tornam o quarto de amantes como uma câmara velada onde os sentidos estão cada vez mais atentos. E talvez essa seja uma das poucas coisas boas desses dias. O cheiro do meu corpo me lembrou quando estava entre as pernas de algum cara por aí, e me fez pensar em como deve ser o cheiro entre as pernas daquele garoto. É um pensamento pervertido? Não tenho tempo para me preocupar com essas perguntas. 

Pensando bem o Bukowski é bem mais cru e brutalmente realista do que eu, e percebi nessas minhas breves linhas que ainda conservo muito de um certo pessimismo romântico por trás de cada coisa que    digo. Como nesse momento em que eu penso onde ele possa estar, já há dias semanas sem vê-lo e ainda sonhando com aquele olhar castanho-claro que me hipnotizou desde o princípio. Bukowski nao diria nada como o perfume de uma câmara de amantes, ele falaria sobre o cheiro forte de suor entre duas pessoas fodendo numa tarde quente, com o suor escorrendo e a cara vermelha por todo o esforço feito entre os dois. 

Pensar nisso, no entanto, antes de dormir, não me ajuda em muita coisa senão em lembrar o quanto eu estou sozinho. E, muito embora seja melhor para dormir numa noite quente como essa, eu acho que ia preferia ter alguém do meu lado. Viro procurando a parte mais fresca do lençol e fecho os olhos para dormir. Amanhã vou trabalhar de novo, e voltar pra casa cansado num ônibus cheio e com muitas pessoas suadas, não é o cheiro que eu gosto, embora seja parecido mas em situação diversa. Gosto do cheiro forte dos homens com os braços ao meu redor e a respiração ofegante, gosto das marcas roxas no meu corpo e gosto do suor na testa e as bochechas vermelhas... Viro de novo para o outro lado da cama e ele não está tão fresco quanto esperava. Será uma longa noite.

"E esto qui a dissiparmi la mia vita, a stillarmi il cervei sui libri sacri" (Puccini, Turandot, II Act)

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