quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Vinho Barato

Sentado no escuro, enquanto o céu não se decide se vai chover pra amenizar um pouco do calor úmido dessa cidade ou se vai continuar assim, incômodo, pelos próximos meses. Tem uma taça gorda de vinho barato do meu lado, e o som está repetindo as mesmas músicas que ouvi o ano todo, continuo sendo uma criatura de hábitos. 

Sempre engraçado, quando não irritante, perceber o esmaecimento de uma inspiração. Aquela figura doce, que faz a mente cantar e fluir poeticamente de repente se vai. Mas algo fica, sempre fica. Pelo menos comigo é assim. Ao fechar os olhos então eu consigo ter um rápido vislumbre, como quem passa por um mural na estação de trem e aquele breve instante fica, como um borrão mais ou menos disforme, daqueles olhinhos de jabuticaba que se fecham junto daquele sorriso lindo. E então essa imagem, esse sorriso, se grava na minha mente e no meu coração, e ali fica como um carimbo, como uma pegada na areia que pouco a pouco o vento faz desaparecer mas que continua ali, mesmo já um pouco apagada, trazendo de volta a presença daquele que ali pisou e que deixou sua marca. 

Aquele garoto é um perigo, é capaz de qualquer um fazer as vontades dele se ele pedir sorrindo daquele jeito. E tudo que eu queria era poder sentir seu corpo entre meus braços e o cheiro doce do seu suor enquanto geme baixinho o meu nome. Mas eu devia estar pensando nisso com um cara que nem sabe que eu existo?

Penso então em outro rapaz e, embora ele saiba que eu existo, também não pensa em mim, antes disso, acho que eu sou um incômodo pra ele, quando tento conversar e demonstrar algum carinho sem ser afetado. Eu sempre me apaixono por eles, quanto mais eles aparentam não ter nenhum interesse em mim. E tem o jovem da minha rua, que também não pensa em mim porque nem sabe meu nome... E eu sempre me apaixono por eles.

O velho Buck dizia que o amor é um cão dos diabos, e eu concordo com ele, não porque ele é simplesmente ruim e nos destrói, mas porque ele nos encanta e nos faz tender a ele como ao canto da sereia que atrai para o fundo dos mares os navegantes saudosos de suas amadas. Mas, ao nos atrair, ele nos sufoca lentamente, e nos impede de voltar ate a superfície, que brilha distante e opaca enquanto somos arrastados cada vez mais ao fundo. Tento me afogar no vinho com um longo gole. Realmente é de péssima qualidade, mas tudo bem, eu só quero ficar bêbado mesmo.

Imagino como seria ficar sentado ao lado dele vendo a luz de uma bela noite. Pelo menos esse tempo quente faz com que seja agradável ficar ao ar livre sentindo a brisa fresca no rosto. E então imagino como me sentiria ao ver os seus braços nus tão próximos dos meus, e já penso que nem precisaria sair dali para me jogar em cima dele e devorá-lo inteiro. Tomo mais um gole, dessa vez  um pouco mais devagar. 

Apaixonar-se é sempre um cão dos diabos. Nos deixamos seduzir por um belo olhar ou por corpos esculturais, me lembro agora de como é fácil me atrair com braços fortes e um sorriso provocativo, eu sou um idiota por isso, e então nos deixamos facilmente seduzir e levar para o fundo do quarto, onde abatem-se os desejos como aos animais e depois um dos dois se levanta, procura as calças jogadas pelo chão e veste-se, a camisa por sobre o peito suado e o rosto ainda avermelhado enquanto o outro lentamente mergulha no sono. 

Ultimamente não tenho tido acesso a esses prazeres, reconheço, então o que tenho mais próximo disso é uma generosa taça de vinho antes de dormir, mas percebo que até o vinho tem descido mais como um whisky ou cachaça, quente e violento. Acho que é efeito do logo tempo em que o ceticismo e o pessimismo vem sendo cultivados dentro de mim, ou seja, tanto tempo de descrença da vida e das alegrias me tornaram amargo a ponto de amargar até a doçura das uvas. Poético e triste. Mais um gole, eu devia ir dormir. 

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