sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Ler, aprender e opinar

Apenas alguns comentários acerca da leitura e também das opiniões que emitimos em algumas conversas, mais ou menos sérias bem sobre como essas duas coisas estão intimamente ligadas. Acontece que costumeiramente estamos acostumados a falar sobre tudo e a emitir juízos de valor sobre qualquer coisa com a qual temos contato. É normal então que, durante uma conversa, desfiemos longos rosários sobre coisas das quais acabamos de ouvir falar. Multiplicam-se então análises políticas e econômicas, comentários sobre o desempenho de tal ou qual time no futebol ou sobre essa ou aquela fala acertada ou não do líder religioso que, muito provavelmente, foi distorcida pela mídia e acabou sendo esvaziada de todo seu conteúdo apenas para ser repetida ao lado de um número sem fim de jargões. 

A leitura, me referindo a literatura mais especificamente mas também podendo se estender até certo ponto a leitura especializada, nos concede uma ampliação de nosso panorama existencial. É claro que todas as nossas experiências são importantes, é por meio delas que adquirimos aquela sabedoria que usaremos nas vivências futuras, mas ninguém pode experimentar de tudo e, no geral, nossas experiências são muito limitadas por uma questão simples de natureza das coisas: a vida sendo finita é, por definição, limitada. Mas a literatura nos abre esse horizonte indefinidamente. Por meio dela é possível viver as mais diversas vidas, a de um imperador romano, a de um comerciante português, um ladrão russo, um pobre pecador arrependido, uma jovem dama apaixonada, uma viúva amarga... E tudo isso num espaço de tempo relativamente curto. 

Essa riqueza acaba por compor o mapa mental das nossas experiências, ao nos colocar em contato com experiências de elevada virtude ou da mais baixa vilania e, ao colocar tudo isso na nossa imaginação, passamos a ter muitas ferramentas para lidar e interpretar o mundo que nos serve. Passamos a perceber as coisas de modo diverso ao que percebíamos antes e nos tornamos capazes de perceber como os outros percebem, aumentando ainda mais nosso círculo de possibilidades. 

Uma pessoa versada na leitura, primeiramente daquelas ricas em experiências humanas e depois naquelas que contém certo conhecimento especializado, é capaz de perceber as sutilezas que facilmente escapam aqueles que julgam tudo com rapidez felina. 

Mas esse processo leva tempo, isso porque tudo o que lemos vai pouco a pouco se decantando na nossa consciência, tudo isso vai se depositando no fundo e, a princípio, não é mais do que uma colcha de retalhos. Conforme evoluímos então as coisas passam a se encaixar, experiências posteriores vão dando novos significados aquelas coisas que vivemos antes e também nos oferecendo novas ferramentas ao futuro. É por isso que ao iniciar uma vida intelectual as pessoas precisam estar preparadas para receber passivamente esse grande volume de informações, organizando-as interiormente e assim compondo o panorama mental que usamos no cotidiano. 

O que estou dizendo parece óbvio, e de fato o é, mas na prática acontece o contrário, continuamos reféns dessa vontade de querer sempre dizer o que sentimos, e que é apenas fruto de uma reação emocional imediata, sem fundamento e, não raramente, inútil. Agora, quando alguém se debruçou sobre algo já há muito tempo, aí sim sua opinião torna-se valiosa por conter nessa experiência o que é necessário para compreender o objeto de que se fala, e conhecê-lo, não apenas limitando-se a comentar superficialmente. 

Eu não estou dizendo que as pessoas deveriam ficar caladas até saberem alguma coisa, mas deviam falar apenas aquilo de que têm experiência, no sentido que, enriquecendo assim aqueles que a ouvem, essa opinião não será apenas um jogo de palavras emocionadas. É então por meio do enriquecimento que a arte nos traz que nos tornamos partícipes da experiência humana comum e que adquirimos os meios necessários a compreensão e a ação. As experiências que adquirimos lendo somam-se as que vivemos pessoalmente, e nos enriquecem com diferentes pontos de vista, passam ser parte de nós e, do profundo da nossa consciência, passamos a julgar o mundo que nos cerca não com a superficialidade de quem não viu e nem viveu nada, mas com a experiência de séculos acumulada e passada de geração em geração. É esse enriquecimento que nos dá os instrumentos necessários para uma boa conversa ou para absorver os ensinamentos das mais diversas formas que nos apresentam em nossas vidas. 

Assim também fazemos com os estudos especializados. Ninguém chama um estudante do primeiro ano de medicina pra principal palestra de um simpósio internacional, esse estudante apenas senta e escuta. Ao fim do curso ele já pode falar, mas não aos profissionais de muitos anos, mas pode tranquilamente falar a estudantes do ensino médio que pretendem entrar no curso de medicina. E isso não é diminuir a experiência, muito pelo contrário, é valorizar a experiência daqueles outros. Para assuntos mais simples, quem estudou esses assuntos por menos tempo é suficiente. Para questões de grande complexidade os mais experientes é que devem examinar as variáveis da situação. 

Essa experiência, por mais mínima que seja, sempre chega nos transformando, porque o conhecimento é, por essência, transformação daquele que passa a conhecer. É ela que nos permite julgar com mais ou menos precisão as situações que vivemos e tentar encontrar soluções ou, pelo menos, entender a questão. 

Daí temos ainda outras perspectivas. Em se tratando de literatura acho que quanto mais riqueza melhor, ler de todas as partes do mundo, começando pelos clássicos ou, se não for possível, pelos livros que nos ajudem a chegar nos clássicos. O clássico é clássico por isso, por refletir e expressar essas experiências comuns a todos os homens mas que apenas alguns poucos foram capazes de dizer e por isso se eternizou. Provavelmente nunca chegaremos aos pés de um Dante, Goethe ou Shakespeare, mas aprender com eles já ser muito maior do que éramos quando começamos. 

Nos estudos especializados já devemos seguir ordens mais apropriadas, na filosofia por exemplo não se começa pelos filósofos mais novos, isso só gera confusão e um desentendimento terrível. Ninguém começa a estudar filosofia por Kant e Hegel porque, além de não entender nada, vai fazer uma confusão dos diabos. Ninguém sem um bom treino começa com René Guenon ou Madame Blavatsky, as consequências podem ser desastrosas, por isso nesses casos é importante alguém que guie, presente ou não, nessas áreas de interesse. 

Já na literatura o ideal é mergulhar de cabeça e assim absorver o máximo possível, sendo que até mesmo das doutrinas filosóficas e políticas consegue-se aprender algo ali, afinal nada está na política de um povo que não esteja primeiro na sua literatura, frase dita por Hugo von Hofmannsthal e que deveria ser impressa na contracapa de cada livro publicado num país como o Brasil. 

Já me alonguei demais e provavelmente voltarei a isto muito em breve, mas em princípio era essa minha reflexão, mais uma vez inspirada pelas doces questões do meu afilhado, e que, espero, possa servir de algum modo nessa caminhada da vida intelectual, vida essa que se caracteriza, acima de tudo, pelo amor a Verdade e que, justamente por isso, se faz necessário tentar encontrá-la em todos os lugares.

Um comentário:

  1. Belíssimo texto! Agradeço por compartilhar o seu conhecimento por aqui! Aprendo muito e muito contigo!

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