terça-feira, 8 de novembro de 2022

Moralistas Franceses

Eu entendo moço, e está tudo bem, sério! Na verdade foi uma importante e feliz lição. Eu percebi com isso, mais uma vez, o peso que minhas palavras podem ter. Ao falar tanto sobre certos assuntos cria-se a mentalidade que esse assunto é o centro da minha vida, pela repetição com as pautas sobre sexo e desejos aparecem em nossas conversas. E isso claramente mostra uma certa deterioração da consciência, um erro no campo do senso das prioridades, ainda que seja um erro de expressão e não no sentido ontológico: embora trate muito desse assunto é apenas porque ele justamente é responsável por sequestrar a consciência em alguns momentos e, na maioria dos casos, porque falar de experiências mais imediatas é mais fácil do que tratar de assuntos complexos. Culpa da minha limitada capacidade de comunicação. 

Um outro ponto que pode ser dito aqui é também o da aceitação dessas coisas como vício e, aqui apontando o ponto de vista filosófico e bíblico, entendendo a importância desses vícios como parte da experiência humana que, justamente por ser isso, nos humaniza ao nos dar consciência das nossas limitações. Primeiramente do ponto de vista filosófico, como fazem os moralistas como Pascal, La Rochefoucauld, La Bruyere, Stendhal ou Camus. Homens que, tendo a experiência dos vícios, como o apelo sexual no casos dos moralistas franceses, bebidas e até jogos de azar (Pascal estabeleceu as bases do cálculo de probabilidade para aplicar nos seus jogos de dados). Essa experiência lhes deu uma consciência dos limites, das fraquezas humanas, uma profunda compreensão da natureza do homem. A partir dessa consciência que, no meu caso, eu adquiri ao perceber isso durante uma conversa com você, eu posso começar a tentar mudar. 

Do ponto de vista bíblico vemos uma longa coleção de personagem corrompidos, que são justamente os que são buscados por profetas e pelo próprio Cristo: Reis e cobradores de impostos corruptos, prostitutas, adúlteros e ricos presos aquilo que possuem... São esses os principais alvos do Cristo que, ao perceber a fragilidade de suas condições os acolhe, ceia com eles, os salva e, por fim e apenas por fim, lhes admoesta "vá e não tornes a pecar" (Jo 8, 11)

Por ser um vício ele já faz parte de mim, estando enraizado no meu ser profundo, e por isso exige um exame também profundo para que consiga tirar isso de lá. Isso não quer dizer que eu vá conseguir me livrar totalmente do vício, mas adquirir consciência do mesmo, ou melhor, adquirir consciência de como ele impacta o meu eu e como isso se mostra aos outros. é um exercício de profunda experiência humana, é um passo de confissão que eu faço ao, agora falando não mais a você meu amigo e irmão, mas ao próprio Deus, assumindo minha pequenez e permitindo que ele vá me mostrando onde estão as raízes desse pecado iluminando meu ser para que enxergue como posso mudar. O vício continua sendo uma importante experiência, não findável em si mesmo, mas quanto contraste para a mudança. 

Daí faço minhas as palavras de Pondé de que "não confio em quem não tem vícios", sem dizer isso de modo a fazer uma ode sadiana ao pecado, não, digo isso no sentido de que quem tem consciência desses vícios e do peso consegue medir melhor as proporções das suas experiências humanas e, aquele que diz que não tem vícios, além da babaca e mentiroso, é provavelmente uma pessoa perigosa. 

Por fim essa consciência me impede de julgar os vícios dos outros (e não estou dizendo que me incomodou você ter me julgado, não me importo se for você porque eu escolhi mostrar meu lado mais fraco para você e você continua sendo atento e carinhoso comigo) sabendo da dificuldade que é para controlar os meus próprios, esse é o ponto mais humano: perceber que o outro possui tantas limitações quanto eu e que, se é difícil para eu mudar, tanto é para ele também. Embora seja vício, é uma felicidade então perceber as consequências do mesmo, caindo as escamas que encobriam sua presença e permitindo ao menos a necessidade de mudança. Obrigado pelo carinho em me mostrar isso!

"Ó pecado de Adão indispensável, pois o Cristo o dissolve em seu amor. Ó culpa tão feliz que há merecido a graça de tão grande Redentor." (Praeconium Paschale)

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