domingo, 27 de novembro de 2022

Fadiga, contato, pureza e descanso

Acredito ter chegado agora naquela fase do trabalho em que o cansaço e a fadiga começam a cobrar uma alta taxa do meu corpo. Aquele propósito inicial agora encontra dificuldade em manter-se firme nas leituras e estudos já que, ao chegar em casa, o cansaço é tão grande que eu preciso de doses de café pra não cair na cama imediatamente. E isso tem exigido de mim muito mais esforço, agora que eu não posso mais assistir as aulas com as luzes apagadas e deitado na cama, preciso ficar de frente ao computador e com as luzes acesas, e o celular longe, para impedir qualquer tentação de fechar os olhos ou entrar em alguma rede social. 

Eu inicialmente não queria falar sobre isso porque parece que estou esmorecendo do meu objetivo único e principal na vida, do qual tudo o mais é acessório, que é o crescimento da vida intelectual, o que inclui os estudos, as leituras e a prática religiosa sendo, no fim de tudo, uma culminação daquilo que achei na Igreja e que me atraiu como a luz clara na noite de luar: a Verdade. 

Mas isso não significa que este ideal tenha se esvaído dentro de mim, muito pelo contrário, é justamente a melancolia advinda da constatação de que todo o mundo como que conspira contra o contato com a verdade que me faz querer despertar dela e conseguir encontrar brechas ao cansaço a todo momento, de modo que, seja lendo de pé no ponto de ônibus e no caminho para o trabalho, ou ouvindo as aulas enquanto a colega de escritório está no horário de almoço, que eu vou tentando imprimir mais e mais fundo no ser a urgência da busca pela verdade. 

É por isso que em cada novo livro eu encontro perspectivas humanas diferentes, desde a maldade contida em pequenos atos de malícia arraigados no homem até os atos que surpreendem pela candura das almas que buscam o amor em formas mais elevadas. E essas se incorporam no meu ser e eu passo então a buscar enxergar mais e mais dessas coisas naqueles que me rodeiam e, seja pela semelhança ou pelo contraste, essas coisas saltam aos olhos e passam a habitar o meu universo imaginário, o qual é fundo do qual eu retiro todas as referências para os problemas da vida que aparecem nos dramas humanos.

Tenho me tornado ainda mais seletivo quanto aquilo que digo e faço, pesado cada vez mais numa balança moral o que preciso fazer e o que posso dizer. Tem sido comum abrir algo pra comentar, seja sobre alguma série ou algo nesse nível, e eu simplesmente desisto por desânimo mesmo e também por julgar ser mais interessante guardar a pouca energia que me resta com algo útil. E esse cansaço tem me feito perceber que, na verdade, bem pouca coisa é realmente útil. 

Aqui tem espaço então para a máxima de Ortega y Gasset em que as únicas ideias que importam são as ideias dos náufragos, aquelas que ainda conservamos em face da morte próxima e inevitável, daí então perceber a importância das ideias que, diante do cansaço, permanecem intactas no panteão daquilo que merece ser conhecido. 

Acredito ter encontrado algumas dessas já que, mesmo no extremo cansaço ainda penso nelas antes de dormir e até minha última gota de esforço é então empreendida de modo a conseguir acrescentar algo, por mais mínimo que seja, aquelas que já tenho. Não trata-se, no entanto, de simples acumulo de ideias, pelo contrário, as ideias não andam se multiplicando no meu ser, elas apenas vão se aprofundando. Então a beleza, a Verdade, essas duas ninfas que se encontram no alto templo da existência, no monte do trovão que ressoa por todos os homens, elas continuam a me chamar de lá, e cada vez sua voz torna-se mais forte, ainda que me sinta distante de sua presença. 

X

Olhando ao redor as pessoas e suas complexas, muitas vezes nem tanto assim, relações. Conversam amenidades, trocam experiências, em todos os lugares que vão e encontram seus pares. E sinto então o impulso de ir também, de rir e sorrir enquanto converso e ajudo a traçar um futuro. Mas sinto que trata-se de um desejo de simples aceitação, de querer participar desse grupo que, ao menos na aparência, não fica parado por um dia sequer enquanto eu trabalho no anonimato e derramo minhas palavras apenas no espaço vazio e deserto de um silêncio solitário. Haverá quem poderá me ajudar a sair dessa escuridão ou assim deverei ficar para sempre, nascido e morrido antes de ser conhecido até mesmo pelo homem que mora ao lado, sem que ninguém saiba meu nome e que até mesmo eu o esqueça tantas vezes.

X

É com poesia que meu coração geme baixinho, em face da presença imaginária daquele jovem Jacinto capaz de despertar o amor e a ira dos deuses. É assim que então me entrego lentamente ao sono reparador, sentindo o toque delicado e tímido, tanto quanto irreal, daquele que logo se desfaz por entre a névoa dos sonhos. 

"Meu Amado é branco e rosado,
Sua cabeça é de ouro puro,
Como copa de palmeira, seus cabelos.
Suas faces são canteiros de bálsamo,
Seus lábios são lírios com mirra,
Seus braços torneados em ouro,
Sua boca é muito doce,
Ele todo é uma delícia.
Assim é meu Amigo, assim é meu Amado."
[Ct 5, 10-16 (com daptações)]

Acordei cedo e fui para a Missa, onde o encontre, agora realmente, na sacristia, e o cumprimentei brevemente recebendo o que, parece ter sido, um sorriso tímido. Não sei o que ele pensa de mim, não sei o que isso pode se tornar, não sei nem mesmo se ele pensa em mim ou se apenas recordou que sou o homem que ele vê nas manhãs no ponto de ônibus. Eu fitando com atenção seus olhos castanhos, pele clara e a barba aparada à media, um anjo de pureza no altar antes da solene ação litúrgica.

X

Estava decidido a diminuir os remédios para dormir, até porque aqui a maldita burocracia estatal interfere loucamente na compra de medicamentos controlados. Queria fazer uma pequena digressão aqui acerca dessa interferência absurda. As pessoas não se dão conta de que pra comprar um remédio pra dormir você precisa marcar uma consulta, esperar ser chamado, tentar convencer o médico de que você precisa do tal medicamento e aí então ser autorizado a comprar num lugar registrado e regulado com uma receita em duas vias em que você coloca nela seus dados e deixa lá pra serem passados adiante e serem controlados pelo estamento sobre quanto você comprou e por quanto tempo vai usar aquela dose específica, e se precisar demais precisa passar pelo mesmo processo novamente. A ideia de toda essa burocracia absurda, no entanto, não faz as pessoas perceberem que já vivemos num estado totalitário onde tudo pode ser controlado pelo governo se ele quiser. E aqueles que dizem que o governo não se importa com suas vidas porque não são pessoas públicas e nem importantes, eu desafio a irem comprar um tarja preta na farmácia do bairro.

Dito isto, eu realmente pretendia diminuir minhas doses, dormir menos talvez, e com mais intervalos e, assim ir diminuindo e melhor controlando o tempo para estuda\e me cuidar um pouco mais. 

É um domingo chuvoso, desde ontem as nuvens de chumbo derramam pesadas torrentes sobre esta cidade. Assisti um pouco de manhã após a Missa desse I Domingo do Advento e, agora no início da tarde, eu pretendo então dormir até a noite, quando vou ver os episódios que são lançados hoje e, para os quais estou ansioso. 

Isso porque, e nada tem em relação com meu propósito inicial, fui tomado por um certo tédio, por assim dizer mesmo sabendo ser um termo insuficiente pra situação, e isso me querer dormir, apenas isso, desaparecer brevemente. 

Recebi a ideia de reproduzir uma maquiagem para fazer algumas fotos, mas não consigo achar disposição para fazê-la. Fica pra amanhã, assim como fazer a barba, ainda estou em dúvida quanto a isso, e as unhas. Preciso lavar os sapatos, e minha mãe cuidou dos uniformes e com isso me bate certo desespero: não fosse por minha mãe que cuida da casa, desde minha comida até minha roupa, com muito carinho e atenção, e me sinto culpado por não conseguir ajudar, por ser inútil pra ela quando, um dos meus propósitos em trabalhar era tentar ajudar ela o máximo que pudesse, mas o mais que faço não vale nada! Ela é apenas serva de mim, pobre incapaz que merecia o choque da solidão para acordar pra vida. 

"Tuba mirum spargens sonum per sepulcra regionum, coget omnes ante thronum.
Mors stupebit et natura cum resurget creatura, judicanti responsura."

~

N.T.: "A trombeta poderosa espalha seu som pela região dos sepulcros, convocando a todos diante do trono. / A morte e a natureza se espantarão com as criaturas que ressurgem, para responderem ao juízo." Trata-se de um trecho do hino Dies Irae, sequência da liturgia da Missa pro defunctis na forma Extraordinária do Rito Romano. 

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