quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Que ele sorrisse

Tristezas que vêm num momento de suspensão da lucidez com o uso de um remédio pra dormir, e então eis que surgem lágrimas e questionamentos, bem como uma vontade forte, um desejo de abraçá-lo, de me tornar mais próximo, de ultrapassar esse véu que nos separa...

Eu não sei se ele me responde de modo monossilábico porque é tímido ou se realmente não tem interesse em falar comigo, ou talvez as duas coisas. O fato é que ele pouco fala comigo, e eu continuo tentando depois de alguns anos ainda formar um diálogo. Em vão. Mesmo estando agora ainda mais longe, mas ainda queria me aproximar dele... E as coisas são sempre assim, eu nunca consigo me aproximar de quem eu quero, alguns eu nem mesmo sei o nome. 

Eu estou fazendo meu melhor, e parece não ser o bastante. Aos fins de semana eu durmo um pouco mais e arrumo barba e unhas para estar apresentável novamente quando voltar ao trabalho, mas é isso, e eu não estou reclamando de ter entrado no automatismo, mas estou dizendo que eu queria fazer mais, ter mais energia, conseguir ser melhor, estudar mais, ler mais, e não ficar tão cansado na hora da aula que chego a cochilar em alguns momentos mesmo o assunto sendo de meu maior interesse.

E eu queria conseguir saber ou nome dele, fazê-lo sorrir, ou que o outro me respondesse, que pudesse ser ao menos meu amigo. Bom, a verdade é que eu queria mesmo era um abraço bem forte. Embora esteja feliz com o trabalho e com o lugar onde estou morando, embora esteja conseguindo comprar minhas coisas, embora tudo isso seja bom eu queria alguém com quem pudesse rir, sorrir e, principalmente, deitar em seu peito após um dia cheio e ouvir sua respiração baixinho. Apenas isso e o mais que faço não vale nada!

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Me sentindo profundamente incomodado. As hemorroidas atacaram nos últimos dias e isso tem me tirado a tranquilidade porque é uma dor constante. Isso me deixou profundamente inseguro e desanimado, e até cansado já que não consigo dormir e nem descansar direito sentindo isso o tempo todo. Estava triste, chateado e cansado, de rezar não tinha nem vontade, apenas queria poder me esconder num jardim secreto, por entre as açucenas olvidado. E assim foi por três dias inteiros, três dias de intenso suplício. 

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Hoje descobri o nome de um  garoto bonito que pega ônibus comigo quase todos os dias e, antes de prosseguir gostaria de deixar claro que tenho consciência do quão patético é dizer uma coisa dessa, com isso consegui encontrar o perfil dele numa rede social. No entanto, embora haja uma aproximação mínima entre nós entre os cumprimentos de "bom dia" nas manhãs nubladas dessa cidade e que finalmente o vi sem a horrenda focinheira que é aquela máscara de covid, eu não consigo pensar numa situação minimamente plausível para falar com ele sem que eu pareça um maluco depravado. 

Acontece que vejo nele uma imagem doce, um pouco tímida e até mesmo inconformada porque acho que ele não é assumido, embora eu saiba que ele também gosta de meninos porque ouvi uma conversa dele com uma amiga (eu estava do lado, era impossível não ouvir) e ele parece se esconder, seja atrás da máscara ou do estilo low profile nas redes sociais (sem nenhuma foto) e talvez isso indique uma baixa autoestima. E eu o vejo com essa simplicidade quase angelical, seus olhos castanhos brilhantes, a pele clara ainda com muita acne e ainda assim bonito, ele é muito bonito, com uma voz bela que parece um sino a tocar. 

E exatamente por isso eu não consigo me imaginar falando com ele. Só de pensar nisso já me vem umas trinta vozes dizendo que ele nunca vai querer nada comigo, já me sobe um medo de novamente ser rejeitado, de não conseguir nem sequer a amizade dele e, pior ainda, fazê-lo ter nojo de mim, porque eu tenho certeza que é isso que os outros sentem ao me ver, o mesmo que eu sinto ao me olhar no espelho: nojo. Eu não consigo sentir outra coisa ao pensar em mim mesmo além disso. Nojo do meu jeito, da minha aparência, das minhas limitações, dos meus medos, enfim, nojo do meu ser, novamente me vendo como um erro, um arremedo de ser humano, um boneco de trapos. 

E tudo que eu queria era que ele sorrisse para mim. 

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