sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Cena de Ultrajes

"Doing somenthing unholy"

Nos encontramos quase todas as manhãs, ele de moletons pretos e uma camiseta roxa chamativa, desbotada pelo uso e, por debaixo dela, uma camiseta térmica cor de chumbo que a princípio me fez perguntar se ele não sentiria demasiado calor nos dias de sol intenso em que estamos, e só depois eu entendi que a roupa era justamente adequada a quem não queria transpirar tanto assim. 

É um rapazinho que ainda não chegou aos vinte anos. Tem traços nobres e delicados, é sedutor sem nem perceber que o é. Bela fisionomia, tez finíssima, cuja alvura realça os escassos fios da barba ainda em desenvolvimento. Os olhos são de um castanho luminoso, assim como os cabelos, caindo sobre a testa e não além disso porque ele os corta com frequência. Os lábios, demorei a vê-los por causa daquela horrenda máscara de pano, mas são de um rosa meigo, desenhados, quase femininos se ele os hidratasse mais. Tem um andar gracioso sem, contudo, perder a expressão séria, pensativa como quem constantemente pensa num problema que não pode resolver, e uma simplicidade difícil de encontrar em alguém dessa idade. 

Meus devaneios  nos levam então para um palácio de fantasias, um lugar fechado e iluminado apenas pelas chamas luxuriosas que dançam como dançam os corpos nus, movimentando-se conforme crepitam os desejos que se alimentam da carne. Algumas outras figuras são ali visitas constantes, na noite escura elas respondem aquilo que minh'alma clama, como espectros levantando-se de suas lápides e tendo seus ossos cobertos de carne e músculos até voltarem a ter aparência humana. 

Vejo você com lábios rosados e delicados, assim como são as partes que maravilham os olhos e enchem a boca de água num desejo de deleite fálico misturando orgasticamente suores, tremores e gemidos, assim como as pequenas poças de prata que se espalham pelos corpos avermelhados. Avermelhados do esforço visceral da entrega a paixão tórrida, que se repete infindáveis vezes em sonhos e momentos emergenciais, em realidades alternativas, nascidas de desejos profundos e que encontram a culminação de sua existência idílica em urros e explosões que aquietam aquelas feras sedentas por lamber não o sangue, mas o leite puro de suas vítimas que, naqueles sonhos, se deixam abater pelo voraz caçador. 

Muitas dessas fantasias são proibidas e envolvem a omissão de compromissos íntimos, seriam escandalosas se viessem à público, se não fossem mais do que apenas sonhos e/ou momentos compartilhados a dois numa alcova silenciosa donde jamais sairá nenhuma palavra. E ali os corpos se empilham uns por sobre os outros, os gemidos arfados se misturam com a névoa que sai dos lábios, vermelhos de sangue, apertados conforme sentem dentro de si uns aos outros crescendo cada vez mais e mais, as costas arqueando-se, olhos fechados. As mãos trêmulas agarram os músculos com força, os membros se endurecem cada vez mais, brilham em êxtase dionisíaco cobertos de seu próprio lubrificante e também do suor que escorre em linhas finas pelas marcas das unhas nas costas daqueles amantes.

Embebidos em vinho, espumante, vodka e o que mais houvesse disponível, rodeados de obscuras realizações, se entregam sem nenhum pudor e sem que nenhum outro momento importe. Naquela escuridão quase completa já não distingue-se quem é quem, houve apenas os sons rápidos que escapam e o barulho das estocadas violentas que se revezam em seus alvos, todos os corpos juntos num monolito de desejo e descobrimento, escondidos numa casa de aparência dormente. Tudo bem, antes de dormir não há muito o que fazer e o que os vizinhos poderiam pensar se eles mesmos não estão provavelmente sonhando com as mesmas coisas?

Mas sonhar acordado as vezes dói, e desejar aquele membro rijo, com a cabeça brilhante e rosada, desejoso de ser posto abaixo, é um exercício de autocontrole demasiado complexo. E então eu fecho os olhos, suspiro profundamente e tento apagar essas imagens da minha cabeça, ou pelo menos cobri-las com uma cortina azulada, pura, para então desvelar mais uma vez quando, na solidão do meu quarto escuro, poder acender novamente essas chamas e permitir que elas me consumam até o sono profundo. 

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