terça-feira, 28 de abril de 2020

Da fera abatida


Eu queria só entender o que é a vida, sei que viver é amar e que amar é sofrer, que alegria e dor vivem juntas em mim, mas e então? A vida é apenas essas sucessão disforme de alegrias e decepções? A roda do destino gira sem parar nos levando de um lado a outro do samsara, fazendo de nós homens, animais e deuses num único dia? 

Fui tomado por um súbito pensamento de horror, uma raiva incontrolável que advém daquela observação da realidade que culmina numa revolta. As coisas são como são, e isso é uma droga!

Fui tomado por essa raiva depois de perceber, com uma força brutal, a conveniência baixa que permeia as relações pueris do homem. As mentiras são disfarçadas de belas declarações como num engodo. 

O desespero. 

Dessa percepção nasce então um desejo, fruto de todas as impressões deixadas como uma cicatriz num músculo cauterizado. O desejo de que tudo, ou que ao menos eu, retorne ao nada. Esse é o único desejo, o desaparecer e não ser mais exposto a essa vileza, a essa pantomima existencialista que nos faz crer que vivemos verdadeiramente, que encontramos amigos e amores, quando na verdade tudo o que encontramos é a materialização de seus desejos mais sujos e desprezíveis. 

O que é o homem senão um animal que aprendeu a esconder seus pecados por detrás de belas palavras? No fim das contas essa visão me causa repugnância, semelhante aquela que escapa da boca de um cardíaco. 

Não existe amor, não existem amizades. Existem interesses, desejos, essas são as coisas pelas quais os homens vivem, tudo o mais é criação para esconder suas reais intenções, tudo o mais é o que usamos para esconder o desespero que é nossa verdadeira face. Esse desespero não só é nossa verdadeira essência como também é a causa de dores e decepções, visto que o desesperado passa por cima de todos para atingir seus objetivos mais sujos, mais baixos, ainda que travestidos do carinho mais sincero. 

A verdade é que o homem veio do pó e ao pó voltará por sua própria miséria, isso porque em sua existência não foi nem nunca será mais do que pó. É apena uma besta, movida por seus apetites, jamais homem, disfarçado de príncipe. E morrerá como besta, com um punhal cravado no profundo de sua jugular, jorrando seu sangue quente e imundo pelo chão, fecundando a terra com sua essência fétida.

Mas eu não sei se isso é verdade. Não sei se isso é só uma imagem do demônio criada para me deixar em pânico. Não sei se essas coisas existem de verdade ou se é apenas resultado do trabalho de minha pequena mente distorcida, eu não sei mais diferenciar o que é verdade ou não. Eu não sei mais nada.

Pareço magoar quem eu amo, e eu não queria que fosse assim, e quem eu amo me machuca mesmo que sem querer. Eu perdi o senso da realidade, estou louco, louco! Eu não queria magoar ninguém, mas também não queria me sentir só. E toda noite parece que tenho o mesmo pesadelo, as pessoas vão indo embora, uma a uma, e eu sozinho, chorando como uma criança, os joelhos ralados, fico aqui, no escuro, sem ninguém.

Eu me lembro de cada pessoa que já partiu, de cada um que já foi embora sem se despedir, sem sequer olhar para trás... E essas imagens continuam aparecendo, me deixando paranoico, cada vez mais maluco, imaginando mil teorias da conspiração. Eu não sei mais o que é verdade, eu não sei mais nada. Por isso me sinto como a fera abatida. Não vi de onde veio o tiro que me atingiu, apenas senti a dor e a confusão de estar aqui, deitado, sentindo meu próprio sangue escorrer, esperando pelo lento fim. 

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