terça-feira, 7 de abril de 2020

De como me sinto

Nem sei como começar a dizer o que estou sentido, a verdade é que eu pura e simplesmente não sei o que estou sentindo. Não é vazio, como o costumo dizer, senão que sinto-me cheio de sentimentos confusos e conflitantes entre que, como numa miscelânea de aquarelas que se quebraram formam um um quadro incomum espalhado pelo chão, com suas cores misturadas. 

Sinto me confuso? Talvez não seja também a melhor das definições. Eu sei onde estou, o que preciso fazer e isso deveria ser suficiente. Preciso ir a missa logo mais a noite, preciso terminar o livro chato que comecei semanas atrás e que está abandonado ao lado do meu travesseiro, na esperança de que eu algum dia encontre energia para retomar a tão fatigada leitura. A Moreninha que me perdoe, mas sua leitura é um saco!

Por outro lado sinto-me irritado. Irritado com a minha família que insiste em ouvir o sertanejo sofrência o dia inteiro durante a quarentena, enquanto estalam com força as peças de dominó sob a mesa de madeira. Parece que ninguém aqui é capaz de imaginar um divertimento menos estúpido. Pascal bem o disse que "a única coisa que nos consola de nossas misérias é o divertimento e, no entanto, é ele mesmo a maior de nossas misérias." Qualquer um com o mínimo de bom gosto musical concordaria com ele e buscaria desligar logo o player e silenciar os artistas nas plataformas de streaming

Também sinto-me com preguiça. Preguiça de manter uma conversa com uma pessoa que eu sei que só me responde quando alguma de suas pretendentes não responde mais. Ser a segunda opção não me agrada. Também não quero discutir política, quero que todos os cegos por seus arremedos de verdade adquiridos na mídia criminosa vão às favas. Já percebi, sob duras penas, que não há como mostrar a verdade a quem já se sente contente e realizado com a mentira confortável de suas ciências incompletas e mentirosas. 

Me falta disposição e, como minha assinatura do curso online expirou, só me resta mergulhar em um grande lago de autocomiseração, sem perspectiva nenhuma de futuro além de aprender ainda alguma coisa, mesmo minha cabeça se recusando a reter conhecimento como deveria. Acho que fui afetado pelos obtusos que me cercam, cegos em suas próprias verdades. De verdades eu entendo muito pouco, e todas elas se resumem a Igreja que sirvo e amo, a tudo mais estou aberto a novas perspectivas, mas essa não parece ser a posição geral. Antes disso, todos sentem a imprescindível necessidade de ter uma opinião cabal tal qual um imperativo categórico tão logo tenha ouvido falar sobre alguma coisa pela primeira vez ou após ter gastando dez ou quinze minutos lendo sobre na internet. Bom, se essas pessoas se acham capazes de julgar e classificar eu acho que não sou obrigado a dar ouvidos a elas, e me resguardo no meu silêncio, sibilando baixinho toda sorte de palavrões que me venham a mente. 

Infelizmente o maior concurso de pessoas na minha casa durante a quarentena me fez dar adeus ao meu tão querido silêncio. Se antes passava o dia inteiro sem ouvir um ruido sequer, mesmo com mãe e irmã dentro de casa, agora nem mesmo de madrugada eu encontro silêncio. Vozes, risadas, músicas (ruins) e brincadeiras pululam o ar e poluem a minha mente que, como bem sabemos, já tinha problemas o bastante com as vozes que escuto. 

Por fim, sinto a pressão da Semana Santa começar a me ameaçar, conforme aproxima-se o Tríduo Pascal. Esse ano, mais do que em todos os outros, a organização caiu sobre mim, o que significa que vou me cobrar por cada pequeno detalhe que, por ventura, dê certo ou errado. Meu estômago já dói e meu corpo já pede por uma longa tarde de sono benzodiazepínico. Esse tipo de pressão sobre alguém com tão pouca estabilidade emocional é o estopim de um surto de proporções dantescas, as manchas de sangue nos meus lençóis são testemunhas disso, resultado de noites difíceis das quais eu gostaria de me esquecer. 

Não consegui definir como me sinto, mas creio que fiz uma descrição satisfatória. Pois bem, é isso. Apenas isso? Não. Isso é apenas o que a pequena concha consegue pegar nas margens de um oceano violento, que sopra com vento frio e forte e, no horizonte, ameaça se agitar com uma tempestade impetuosa. Um oceano vermelho, como o céu também. 

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