terça-feira, 31 de outubro de 2023

Olhares

Seu olhar era vazio, e eu não significava nada, era apenas um estranho no ponto de ônibus. 

Depois se tornou um olhar frio, eu era apenas um estranho que encarava demais. 

E aí o estranho que encarava demais passou a se aproximar mais, um pouquinho mais. 

Agora o olhar é afetuoso, brilhante, e ele se aproxima de mim com um sorriso discreto e meigo... 

Inclusive ele passou por mim esses dias e voltou para falar um pouco mais, e isso fez com que eu o sentisse quentinho. Ainda não era o calor no olhar que eu esperava, tampouco observo esse calor quando ele olha para o amigo próximo, bonito e forte, por quem qualquer um se apaixonaria... Mas já me sinto mais próximo. Quero, com sutileza, me aproximar ainda mais, daquele coração jovem e ansioso, que se diverte em jogos de futebol. Quero, quem sabe, conseguir conquistar o afeto e a confiança daquele jovem coração de alva e cíngulo. Por hora, já me sinto tranquilo com com seu aperto de mão quente, mas ainda sonho com o dia em que o seu olhar vai conter amor. 

Tomei mais remédio pra dormir esses dias do que qualquer um sobreviveria se não fosse tão forte quanto eu, e continuo firme e acordado, com uma boa dose de rancor consumindo meu coração, já me vejo como um Arrancar, replicando em minhas vítimas a minha morte violenta. 

Mas eu não sou violento, a não ser comigo mesmo, e meu corpo pagou um preço bem caro pelos últimos dias, e vai pagar ainda mais agora que eu vou precisar esconder também o que sinto. 

De todo modo encaro agora uma doce fantasia onde me deito na cama ao lado dele, seus olhos apaixonados encontram os meus tristes e marejados e, num abraço apertado, eu fecho os olhos e me entrego a dulcíssima escuridão do sono. Morrendo em seus braços, com lágrimas caindo sobre seu peito e a sua mão repousando sobre a minha cabeça. 

É, seria uma boa forma de partir.

X

Talvez seja uma daquelas coincidências do universo que, no dia seguinte após eu ter escrito os parágrafos anteriores uma cena* em particular tenha me chamado atenção justamente pelo carinho e a intimidade que demonstrava. 

Eles não podem ficar juntos, é o motivo daquela missão, o homem que voltou dez anos no tempo para evitar que seu namorado morra por conhecê-lo, e ele aceitou que deveria viver o resto de seus dias com  as lembranças de um passado que não aconteceu, enquanto faria também o outro sofrer por um futuro que não vai chegar. 

Mas eles encontram, numa noite fresca, a chance de deitar, um ao peito do outro, e observar a rua a sua frente, bem ali, próximos, num marco zero, sem medo do passado ou futuro, apenas o bater daqueles corações e aquela doce proximidade. 

Será que também eu poderei ter a alegria, um dia quem sabe, de tê-lo recostado em meu peito, enquanto olhamos a rua à nossa frente? 

Sabe que, mesmo em meio ao caos desses dias se, ao menos por um breve instante, eu pensar que estou encostado em seu ombro, já me sinto melhor? Por isso acho que meu amor é diferente. Não penso em momentos de intensidade apaixonante, mas apenas em ficar ao seu lado vendo o tempo passar, de segurar sua mão ou ouvir sua respiração. Será que ao invés de monstro eu posso te amar de maneira pura?

~

*A cena em questão é do episódio 5 de Absolute Zero, do Studio WabiSabi.

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