segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Sentido

"A alma que não tem objetivo estabelecido se perde, pois, como se diz, estar em toda parte é não estar em lugar nenhum." (Michel de Montaigne)

Apesar disso eu venho tentando fazer um novo ritual que me dê ao menos alguns instantes de relaxamento. Faço um café agradável, coloco no ambiente alguns óleos essenciais e uma música aconchegante e assim dou um tempo da ansiedade geral que me cerca. É fechar os olhos por um tempo, sentindo o perfume da lavanda e da laranja doce, alguma voz delicada e o sabor marcante do café e então, ao abrir, com calma retornar aos afazeres normais, talvez sem me preocupar tanto com pequenos detalhes e conseguindo, senão ao menos levar um dia a dia mais leve, pelo menos menos estressante. De todo modo ainda me resta o mesmo semblante simples de sempre.

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Foi uma noite, mais uma, das mais pessimistas e silenciosas. Conversamos antes de dormir mas, como de costume, não nos entendemos, pois tornamos a falar em diferentes níveis de predicação. De todo modo, não é como se me tivesse soltado a mão, antes disso, eu é que caminhava sempre só.

Ainda tento pensar em alguma coisa, mesmo que os remédios para alergia entorpeçam a minha mente e até mesmo minha visão. Uma vez mais a minha saúde torna ainda mais difícil a tarefa de conhecer. 

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Ainda não sei o que pensar sobre esse sonho. Ela entrou naquele ambiente onde deveria estar o meu jardim e, de seus pés e movidas por mim, nasceram pequenas raízes que não vingaram e logo morreram. Depois tornaram a nascer novas raízes, brancas e viçosas que, ao invés de penetrarem rumo ao centro da terra formaram como que a linha de um caracol, se transformando num jardim em forma labirinto de densas folhagens. 

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É chegado tempo de mínima maturidade em que o homem precisa ver-se responsável por mais do que escolhas errôneas movidas pelo coração. Também uma porção do intelecto deve debruçar-se sobre números e traçar projetos, coisas que possam lhe dar, senão um mínimo de segurança, ao menos, lhe dá um pequena sensação de ser mais responsável pelos seus atos e as consequências que recaem sobre ele. 

No entanto, é na contemplação da realidade, na abertura à presença total, que a consciência se vê esmagada por uma poderosa mão. E é sob o peso dessa mão que o homem se vê andando em círculos e acometido do desespero próprio de sua condição. 

Já deveria morar só, tomar conta de tudo sozinho, e agora vejo o resultado do meu descontrole anterior. Dívidas, medos, incapacidades... Aluguel, internet, roupas que já mostram sinais de desgaste, produtos que precisam ser repostos todo mês, superficialidades que nos dão a sensação tosca de que a vida vale a pena. Tudo isso é caro demais, o que exige organização, a culpa recai então em mim, claro, que desorganizado vou me comprometendo e afundado. 

Vejo que muitos dão conta de tudo isso, que conseguem tal organização que nem se desesperam e nem tampouco se enchem de remédio para dormir em cada oportunidade... Mas acho que me falta mais do que organização. Me falta talvez a cegueira para tudo isso, me falta aceitar um fim num barraco baixo e úmido, com as luzes piscando e madeira comida por cupim, o cheiro de podridão tomando conta do ar e o meu corpo apodrecendo sem que ninguém se dê conta até que finalmente comece a incomodar... É que no processo de amadurecer eu não cresci e apenas me tornei amargo e vazio. E de onde vem essa sensação?

Vem de continuar suportando uma vida de pequenos obstáculos e impossibilidades, esmagado sob milhões de probleminhas insignificantes e insolúveis, como que assediados por exércitos inumeráveis de mosquitos de ferro. Sinto que não há em todos os olhos do mundo lágrimas suficientes para chorar tamanho desperdício de energia humana, tamanha celebração do insensato e do absurdo. Fazendo minhas as palavras do Professor, claro.

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