quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Símbolos por falta de símbolos

"Fenece toda a beleza, Sião, tão desfigurada. Seus chefes são cães sem dono, parecem rês enxotada, caminham cambaleantes, tocados qual vil manada." (Lamentos de Jeremias)

Esse é um lamento como aquele de Jeremias, pobre profeta ao ver a sua cidade gloriosa destruída e assaltada por inimigos. Esse primeiro verso da versão em português dos seus lamentos ecoa na minha mente durante quase todo o ano litúrgico mas, especialmente, na Sexta-Feira da Paixão quando entramos na igreja e encontramos o altar desnudo, sem as glorias das toalhas de linho branco, o canto da celebração sem o belo acompanhamento do órgão, a Cruz elevada no meio do povo e adorada num dia diferente de todos os outros, onde a liturgia apenas evidencia o mistério tão profundo que faz com que esse dia seja diferente de todos os outros. 

Mas isso já não me acontece mais. Não. Infelizmente todos os sinais de que a liturgia é algo diferente do mundo se foram... Tudo o que vejo é um costume terrível, de fazer a própria vontade, transformando os sagrados mistérios num teatro brega. 

Recentemente tenho tido o hábito de enviar para meu afilhado referências distintas que já não temos mais ao nosso alcance. São trechos de livros que não são mais lidos, igrejas antigas que ainda se conservam de pé pela forma do patrimônio e não pela fé dos fiéis, liturgias bem celebradas mas registradas em vídeos porque, hoje em dia, o que vemos é apenas uma infindável sucessão de abusos. Também envio ornamentos, coisas que contam para a criação de ambientes não apenas sóbrios mas também piedosos. E em tudo isso evidencia o descaso que vemos ao nosso redor. 

As igrejas se tornaram caixas brancas de celebração, quando há algum ornamento é desproporcional, o espaço é sempre inapropriado. Se em Brasília o pecado era o maldito minimalismo, aqui em Joinville é a febre dos murais com símbolos cristãos. Todos são belíssimos, realmente, inspirados na inconografia bizantina, mas todos são desproporcionais ao tamanho das igrejas em que se encontram. O critério usado foi apenas um: quanto maior, melhor... Nem sequer consideraram que ícones menores e em maior quantidade teria efeito estético melhor. Também não houve qualquer estudo de cores, o resultado é que temos espaços agressivos, coloridos ao extremos mas sem aquela harmonia que encontramos nas igrejas dos Arautos do Evangelho, por exemplo, que são modernas (novas) mas conservam os conceitos harmônicos que tornam o espaço apropriado a uma boa catequese e uma boa celebração. 

O excesso de símbolos é reflexo da ausência da compreensão dos seus significados. Colocam a Bíblia aberta, bandeiras, flores, velas, tudo isso junto, como se a comunidade fosse entender que, a bandeira é referente a Independência do Brasil, que a imagem de Nossa Senhora é porque ela é a padroeira e a Bíblia é porque estávamos no mês da Bíblia. O versículo em letras garrafais neon no painel é uma ofensa ao fiel que, sendo burro para interpretar esses símbolos, precisa de uma ajudinha que, na realidade, só atrapalha porque essa parafernalha toda só torna mais difícil olhar para o altar, o ponto central da Missa, que conta apenas com uma tolha simples, duas velas soltas e uma cruz ao lado sem nenhum harmonia com o conjunto. 

Que a imagem de Nossa Senhora fosse acompanhada de uma pequena bandeira, discreta, ou de um quadro em que ambas aparecessem, daqueles comprados em lojas devocionais, seria belo e mais do que suficiente. Quanto ao mês da Bíblia? A entrada solene do Evangeliário é a opção mais eficaz. Poderia ser feito um trabalho litúrgico-catequético nesse sentido, com a distribuição de material sobre a Sagrada Escritura, estudos sobre a Dei Verbum, volumes vendidos a preço popular, trechos do evangelhos distribuídos pela equipe de acolhida... Opções existem, falta apenas boa vontade e, claro, estudo. 

Temos a mania de colocar roupinhas nas crianças e colocá-las para fazer qualquer coisa. Crueldade com os pequenos. Tantos serviços são dignamente executados pelas crianças desde muitos séculos. Não há nenhuma necessidade de dancinhas e nem da presença piegas delas. Poderíamos ter um coral de crianças, uma bela missa solene em que a voz das crianças entoariam hinos da verdadeira liturgia. 

O que sonho é justamente uma realidade simples, porém que não enxergo em parte alguma. Uma comunidade pequena, o altar junto ao sacrário e um retábulo simples com o sacrário em destaque, duas pequenas lâmpadas vermelhas ladeando-o. O altar coberto de três alvas toalhas de linho e um frontal ornado para a solenidade da Ressurreição. Um cheiro leve do incenso entra pela janela, são os coroinhas a acender o turíbulo e, na sacristia, um cerimoniário depõe zelosamente uma casula enquanto o padre escuta as últimas confissões antes que se inicie a Santa Missa. 

O coro, alguns homens e mulheres com o Gradual Simplex nas mãos entoam uma antífona enquanto todos se dirigem ao altar, que o sacerdote oscula piedosamente, ladeado pelas imagens do castíssimo São José e da Santíssima Virgem Maria, enquanto toda a comunidade contempla aquela cena do céu que ali se desenrola em meio a nós.

"Imagine então o Sumo Sacerdote Cristo deixando a sacristia do céu para o altar do Calvário. Ele já colocou a túnica da nossa natureza humana, o manípulo do nosso sofrimento, a estola do sacerdócio, a casula da Cruz. O Calvário é sua catedral; a rocha do Calvário é a pedra do altar; o sol avermelhado é a lâmpada do santuário; Maria e João são os altares laterais vivos; a Hóstia é seu Corpo; o vinho é Seu Sangue. Ele em pé é o Sacerdote, mas prostrado é a Vítima. Sua Missa está para começar." (Venerável Fulton Sheen)

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