sábado, 14 de outubro de 2023

Um pouco de sol

"Sim; apaixonar-se é um talento maravilhoso que algumas criaturas possuem, como o dom de fazer versos, como o espírito de sacrifício, como a inspiração melódica... Nem toda a gente se apaixona e aqueles que têm essa capacidade não se apaixonam por qualquer um. O divino acontecimento ocorre apenas quando se reúnem certas e rigorosas condições. Muito poucos podem ser amantes e muito poucos amados." (José Ortega y Gasset)

Depois de uma semana caótica, entre reuniões e festas do padroeiro, eu finalmente posso aproveitar um dia, menos intenso. Também depois das chuvas que deixaram todo o estado de Santa Catarina em estado de alerta, o tempo parece firmar um pouco mais. Até vejo um sol tímido por entre algumas nuvens brancas, daqui da porta que dá para a pequena sacada onde moro. 

Finalmente pude abrir a casa, deixar um ar fresco tirar um pouco o cheiro de mofo depois de ficarmos fechados por dias, com a umidade nas alturas e um clima de preguiça impregnado nas narinas. Muito embora eu goste da melancolia de tempos assim eu admito que fiquei feliz em ver um pouco de luz, o céu mais claro mas as pessoas ainda com preguiça, ou melhor, com uma ressaca, dos últimos dias. Talvez a vida volte a um ritmo pouco mais animado agora. 

Também eu tive uma troca de ritmo rápida nesses dias. Talvez o esforço contínuo, bem como vários contrastes emocionais, tenham contribuído para um episódio misto. Na noite de sexta eu me via, além de cansado, entrando num episódio depressivo, com uma forte dor de cabeça, que me fez vir para casa pouco mais cedo para tentar estabilizar com a medicação. Depois de um sábado tanto quanto lento o domingo já foi de uma euforia maior. Fico feliz de ter conseguido ao menos ajudar um pouco na igreja, sem a sensação de completo deslocamento que, mesmo não tendo me abandonado, ocupou um lugar modesto na minha consciência. 

Também algumas coisas que aconteceram nos últimos tiveram um efeito em mim. Fiquei feliz por, finalmente, depois de quase, ter conseguido um progresso mais claro com aquele jovem que, desde as primeiras semanas aqui me chamou a atenção. Conversamos algumas vezes, ele me sorriu, cumprimentou, me procurou e respondeu, o que me fez vibrar de alegria nos últimos dias. 

Claro que isso também veio acompanhado de algumas percepções que, fico feliz também com isso, são mais maduras e não apenas uma reação do que me aconteceu. Trata-se da percepção da grande diferença de mundos, que vem não só dos meios sociais distantes mas também da idade distante. Ele sendo onze anos mais novo tem uma visão completamente diferente de mundo, e não vejo como poderia ou nem mesmo se deveria, ser diferente. Há nele ainda aquele ar inocente, de quem ainda não viu a maldade do mundo, de quem tem como maior preocupação a nota do fim do trimestre e ainda aquela energia inesgotável dos jovens. Ao fim da semana, enquanto eu não me aguentava de pé ele nem dava sinais de cansaço, e ainda falava de jogar bola com os amigos. 

Não sei se isso me desanimou, acho que o fato é que eu mesmo precisava ver isso com meus próprios olhos para, desfazer a idealização romântica, platônica mesmo, dele, ao passo que, se for decidir tentar algo, quem sabe me aproximar mais, eu vou fazer isso consciente da enorme diferença. Por exemplo, ele em pouco tempo vai começar a sair com amigos de noite e voltar de madrugada, coisa que eu já não faço há vários anos. Enquanto ele começa a descobrir um pouco da vida eu, que ainda não descobri muito, já me deixo tomar de um pessimismo que me faz querer ir dormir antes das vinte e duas horas. 

Isso, claro, não em dias como hoje em que, aproveitando breves horas de descanso, eu vou me entupir de remédio e capotar o dia inteiro, longe dos perigos, das ansiedades e das perspectivas e, quem sabe, quando eu acordar, eu decido se vou fazer algo. 

Permito-me enamorar, sabendo das distâncias que nos separam? Permito-me uma vez mais recorrer a esse que me parece ser um destino de condenação, como se amar fosse o meu pecado original, uma culpa tão feliz que me faz merecido a condenação de Tântalo? Devo me atrever a cobiçar o fruto proibido de lábios rubros? 

Nenhum comentário:

Postar um comentário