quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Adagio cansativo

De novo uma ciclagem rápida. Depois de vários dias no mais absoluto torpor de repente amanheci estranhamente irritado, e um ânimo destrutivo corria pelas minhas veias, um anseio violento e brutal pelo fim, pelo caos planejado. Claros os sinais de um episódio que eu nem vi chegar, e também um sinal claro de que talvez tenha feito certo em voltar ao tratamento psiquiátrico, ainda que só tenha concordado em fazê-lo para conseguir remédio para dormir de novo, já que meu estoque de Zolpidem e Rivotril se encontram perigosamente baixos. 

Mas veja bem, tudo que eu queria era esses remédios que me ajudam a apagar, a ter aquele sono profundo, mais do que reparador, que funciona como uma fuga mesmo, como um lugar onde posso simplesmente adormecer sem me preocupar com respostas a perguntas fúteis, sem pessoas me chamando todo o tempo, sem anseios e expectativas... É apenas um mundo onírico onde Morfeu tem a misericórdia de não notar a minha existência, e eu queria que assim fosse todo o tempo.

Mas é claro que as coisas não seriam fáceis assim, nunca são. E é incrível como as pessoas já tomam como aceitável o fato de que é preciso preencher uma ficha com meus dados, assinar, carimbar e colocar num sistema eletrônico que vai enviar essas informações para sabe-se lá quantos bancos que, usando de meios burocráticos multiplicados até a exaustão, controlam cada aspecto da nossa existência. E se fosse ainda uma existência importante, como se fosse eu um inimigo do Estado ou algo assim, mas não, um mero assalariado cuja maior ambição na vida é justamente ter uma boa noite de sono, me encontro então no meio dessa avalanche burocrática maldita que se disfarça de política de saúde pública. 

Como se alguém lá em cima realmente se preocupasse com isso. Ainda que o colapso da saúde nacional significasse um problema pra economia ele também seria a solução, já que não tardariam a aparecer soluções bem caras que voltariam a movimentar os bolsos dos mais interessados. E claro que, sem entrar no mérito de que tudo conflui para o constante enchimento do poder estatal a minha opinião já é, certamente, apenas a voz de um viciado em tarja preta que teve o azar de escolher um vício não permitido e nem incentivado oficialmente. Viva a democracia! E depois dizem que o cristianismo é que vende a liberdade de obedecer.

Mas Gabriel, isso é prejudicial para sua saúde? Viver é prejudicial. Viver é um saco. Não percebe?

Imagine que alguém se surpreendeu ao descobrir que estava voltando da clínica psiquiátrica e disse que achava que estava tudo bem comigo. Isso é sério? É sério que sair de casa cedo, voltar tão cansado que em alguns dias em nem aguento tomar um banho antes de dormir e que não ter vontade de fazer nada além de encher a cara e dormir é considerado com estar bem? Ai eu preciso ser franco, é cegueira demais. E pensar que a esmagadora maioria das pessoas vive assim. 

E então, depois disso me dizem que estou exagerando... Mas ainda me cobram que responda, que consiga organizar, que saiba mediar, que consiga dar conta de toda a demanda com um grande sorriso e sem ficar doente, afinal minha vida é maravilhosa. E o que eu deveria fazer? Como passar por isso sem encher a cara de remédio? Deveria mandar mensagem quando esta claro que só eu me importo e só eu tenho algum sentimento? Nem disposição para isso tenho mais e para què o tratamento? Para conseguir levar uma boa vida com essas pessoas? Não me parece suficiente.

Aliás, é só isso mesmo? Bom, é o que parece. Com a óbvia exceção de quem tem um pouco mais de dinheiro e, talvez, não precise se submeter a essa humilhação para conseguir dormir ou que se vicia em outras coisas. Há sempre a possibilidade de morrer de outros modos. A dor de cabeça absurda desse novo episódio tem sido um incômodo o dia todo aliada, é claro, a carga de trabalho excessiva, as cobranças por uma pontualidade que não existe e as palavras de conforto "você deveria dividir seu trabalho" e aí quando eu faço isso as pessoas simplesmente não conseguem fazer ou pedem pela minha supervisão constante, o que faz o problema retornar para mim. Padrão.

Nisso eu percebo mais uma vez o quão péssimo líder eu sou. Já desde a minha antiga paróquia eu tinha dificuldade em delegar, porque geralmente terminava com as coisas sendo feitas de modo errado e o problema voltando para mim. Acontece que, por trás da capacidade de fazer o que me foi ordenado e que me faz ter a imagem de eficiente, há uma incapacidade de liderar ainda maior, e aí entram os problemas. 

Apenas uma digressão rápida antes que o Zolpidem, finalmente, faça efeito. Nem vou falar de como até na dopada candura eu me sinto solitário, esse adágio agora já cansa. 

"Eu era feliz sobretudo quando, na cama e envolvido no cobertor, sozinho, no mais perfeito isolamento, sem ninguém ao meu redor nem um único som de voz humana, começava a reconstruir a vida à minha maneira." (Fiódor Dostoiévski)

Obra: "Man's Head, Self Portrait", 1963 - Lucian Freud

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