quinta-feira, 28 de setembro de 2023

O Tédio

"Aconteceu-me diversas vezes, acordando no coração da noite (a noite neste caso não demostra verdadeiramente ter coração)." (Pirandello)

Não estou exatamente arrependido e nem me sinto culpado por ter ido encontrar um estranho no meio da noite numa rua escura pra uma foda rápida e sem graça que poderia ter me colocado nas estatísticas de desaparecidos ou mortos. Não sobrou em mim muita coisa pra sentir isso e tampouco posso dizer que o vazio aumentou. Eu senti apenas tédio mas, como também estava entediado em casa, não fez exatamente muita diferença. Foi chato, baixo e, sem exagero, nojento.

Acho que a única coisa que eu esperava com esse encontro era que ele me pedisse para não ir, que dissesse que eu não preciso de outros homens porque tenho ele. Mas ele não disse nada.

Foi minha primeira vez aqui nessa cidade, depois de um ano. Meus encontros anteriores não tinham chegado a esse ponto e, bom, pra uma cidade com tantos homens bonitos eu esperava mais. Mas é claro que isso só mostra uma coisa: meu único destino é a mediocridade de uma kitnet úmida com a luz piscando e uma cama velha no meio. Eu não devia me submeter a isso. Fiz por carência? Ele não disse nada.

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O homem velho disse que tinha se sentido mal durante a noite e, sem comer nada, pedia dinheiro nos ônibus para tomar o café da manhã. Mas já eram quase 9h! Todos já estavam de pé, alimentados e ostentavam o mau humor matinal de sempre. 

Até aquele momento eu ia contrariado pro trabalho, pensando na grande empulhação que seria encontrar todo mundo de cara feia e ainda ter que me preocupar com uma burocracia chata e inútil de documentos assinados para ninguém sem nenhuma razão. E alimentava certo ódio no peito, desejando que não chegasse lá, ou que a chuva não deixasse as cinquenta crianças saírem de casa. E me vi então fechando o livro, um exemplar cinza esverdeado do Finado Mattia Pascal de Pirandello, e olhei para as rugas profundas daquele homem velho, alguns dentes faltando, assim como usando pouca roupa pro dia levemente mais frio.

Me envergonhei de reclamar dos documentos idiotas, vou tentar preencher o mais rápido possível e seguir em frente. Esses problemas não significariam nada se eu tivesse que, às 9h de manhã, andar de ônibus em ônibus pedindo por esmolas para me pagar um café, que o tomei generosamente em casa antes de sair e posso tornar a tomar ao chegar no trabalho. Era o choque que eu precisava para acordar hoje. 

Ao contrário de quase todos no ônibus que ignoravam aquele velho eu o dei umas poucas moedas, num pensamento egoísta de que, fosse eu ali, gostaria que alguém me ajudasse também, sabendo que não existe grande diferença entre a posição dele e a minha e que, como são as coisas, na semana que vem podemos estar em posições trocadas.

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É bonito ver como eles encontraram alguém em quem se apoiar... O jovem que tinha medo de trovões e que apanhava da mãe por isso, o gênio que teve as mãos machucadas para não chamar mais atenção que o irmão mais velho. Dois homens que passaram a vida sozinhos, dando seu melhor sem que ninguém percebesse. Se encontraram num acaso desconfortável e foram se tornando um o apoio de outro. Até o medo que sentiam dos seus sentimentos, novos, que gritavam para sair, logo se desfez porque encontraram, nos braços e abraços, o carinho que não tiveram e, no olhar apaixonado, a atenção que sempre desejaram. E então se entregaram, agora sorridentes, um ao outro.

Ele acordou feliz e sorridente, radiante na verdade. No outro dia, depois de um encontro asqueroso, eu acordei dolorido e ainda entediado. Nada de companheirismo, nada de olhares significativos e nem abraços cheios de amor e carinho apenas o tédio da existência. 

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Ele correu sem nem mesmo entender porquê precisava impedir aquela menina de dizer algo ao seu amigo, correu deixando todos confusos mas ele era quem estava mais confuso porque só o que ele conseguia pensar era que, de algum modo, ficariam mais distantes dali em diante, e não podia permitir que isso acontecesse, não podia perder o seu melhor amigo, mesmo sem entender porquê isso isso era tão importante..

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