terça-feira, 12 de setembro de 2023

Plano Geral

Tentando fazer uma leitura um pouco menos limitada e fechada em mim, sabendo que, só pelo fato de dizer isso, incorro na circularidade própria do conhecimento que, de modo helicoidal, vai se aprofundando cada vez que retorna a certo ponto. Minha tentativa é a de, claro que incentivado pelo meu mestre, de subir um pouco o degrau de consciência da razão e perceber meu lugar no plano geral das coisas. 

O homem pode se diferenciar dos demais seres porque, estando ele no mesmo lugar que os outros, tem uma consciência capaz de ir além. Uma chuva que seja não tem o mesmo significado para uma plantação, para uma pedra e para um homem que, vivendo num quadro complexo que o abarca e o abrange imensamente, pode dar sentido a estas coisas mesmas enquanto sente-se molhar ou que corre para dela esconder-se.

Essa grande questão, do sentido da vida, pode parecer uma grande bobagem mesmo para mim que, imerso num grande pessimismo, tantas e tantas vezes simplesmente desisti de contemplar a existência e passei apenas a encarar o mundo com essa descrença total, apática, como um bichinho que, fugindo da dor e buscando comer e dormir, espera pela morte mais breve possível. Eu reconheço que, no meu estado atual, essa talvez seja exatamente a minha posição: a de um bichinho, negando assim então até mesmo a ação profunda do Espirito Santo e, por isso mesmo, caindo no pior dos pecados e, encontrando aqui apenas desespero, mais ou menos no sentido que dizia Kierkegaard. 

Eu até mesmo queria evitar usar nomes e citações aqui justamente para não cair no erro mesmo de tentar vestir as minhas ideias com um argumento de autoridade filosófica pois, sendo a filosofia, antes de qualquer outra coisa, uma ação do espírito individual em relação ao conhecimento, o que digo é, antes e acima de qualquer coisa, a minha experiência. Essas palavras são, tão só e apenas isto, aquele caminho particular de cada filósofo que, diante de um acontecimento, como uma fogueira ao redor da qual se reúnem muitos amigos, permanece olhando para ela mesmo quando todos já foram dormir e cessaram as músicas e bebedeiras, buscando entender o que ela lhe tem a dizer quando todos apenas se limitaram a usá-la como fonte de luz e calor.

Entendo um pouco mais agora o que significa abrir-se a ação do Espírito, sendo que observando muitos dos grandes santos não encontramos pessoas de grandes e frequentes sorrisos, muito embora estes o sejam genuínos quando aparecem. Isso porque desde os grandes santos e intelectuais que se abriram a perceber a realidade ao seu redor fizeram precisamente isso, e justamente por verem todo o coeficiente de dor e destruição ao seu redor percebem o seu sentido, apesar da dor. O preço do sentido da vida é entender o que está acontecendo, por mais que doa. Mas também não pretendo, e nem poderia explicar isso aqui, até porque meu professor mesmo o fez tão imensamente melhor do que eu jamais seria capaz de fazê-lo nas palavras mesmas que lia nessa manhã, cansado e incomodado pelo sono da noite que passei em claro pela forte alergia e sensação de solitária convicção. Não me coloco entre o número dos profetas e grandes místicos mas, talvez a imitação deles, eu também esteja triste justamente por saber o que está se passando.

Bom, num sentido geral o que eu vejo nesse momento é justamente a minha adequação a realidade mesma que me encontro e não conformação da vontade à realidade. Não é nenhuma novidade e parece que eu estou redescobrindo a roda mas, se me permite a minha cota, se há uma coisa distribuída igualmente no mundo, ou pelo menos no Brasil, é a mediocridade. E aqui vejo e confesso a minha infantilidade em debater debilmente contra a verdade e aceitar que o outro pode, e tem, uma outra visão do seu universo e que eu não posso, assim como também não podem fazê-lo comigo, querer mudar não importa o que aconteça. Não estou me referindo aqui ao Poder Profético, isso é assunto para outro momento, onde o homem adquire tal autoconhecimento e posse de sua personalidade que passa a interferir ativamente no curso da história de modo indefinido, Moisés e Maomé que o digam. 

Não estou lá ainda, senão que só talvez comece a superar a necessidade mesma de aprovação do grupo imediato, que luto em outro plano contra as besteiras que eles me impõem e que, as mesmas ideias que há em mim também, se encontram em idos de serem superadas num plano maior que as abarque e as supere: é o ritmo normal das coisas, as quais eu me encontro atrasado em pelo menos uns dez anos mas que, olhando ao redor, ainda me parece ótimo já que os outros parecem atrasados em vários séculos. Eles entendem as obrigações sociais como o ápice do desenvolvimento do homem porque foi o máximo que eles conseguiram, e eu luto contra isso justamente porque antevendo o nível de mediocridade que isso significa rechaço essa opção com asco. É o curso natural da maturidade, e não faço aqui uma ode ao meu amadurecimento, que prefiro chamar de amargamento, como um garoto que, descobrindo o pênis como se fosse a maior maravilha da sua existência, não tira mais a mão do próprio pinto. 

E é por que, no momento, eu apenas percebo a força dessa constatação, dos diferentes planos em que, ele e eu, encaramos nossa própria existência. Ele, com a ansiedade futura de um futuro casado com uma esposa e rodeado de crianças e eu, com o pessimismo candente de quem não vê nisso senão um quadro tedioso que não serve a mim. 

Me vejo colocado num plano muito maior do que o percebido imediatamente, muito embora a percepção seja justamente o ponto de partida dessa reflexão. E, com comecei falando do meu lugar no plano geral das coisas. Bom, não significa que seja um lugar lá muito privilegiado também. Estar consciente da própria misérias, muito embora seja o mínimo necessário para sair dela, é também mais incômodo do que estar cego e preso sem nem saber de onde se estar sendo atingido. Não sendo, pois reconfortante, é ao menos uma razão para reclamar de um jeito mais chato.

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