segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Aforismos

"Não é preciso se preocupar em viver muito, só o suficiente, pois que se viva muito depende do destino, que se viva o suficiente, do espírito." (Sêneca)

Já há uns dias que venho enfrentando um episódio depressivo anormalmente forte, provavelmente o pior do último ano (se bem que eu sempre digo isso) mas com efeito, além daquele efeto sépia e câmera lenta que parece ter me rodeado, eu venho olhando para tudo ao meu redor com profundo tédio. Tudo muito chato.

Eu olho os meninos bonitos passando na rua, chatos. Olho para as pessoas que vejo diariamente, chatas. Se respondo minha família que seja, chatos. Até se fecho os olhos e me deixo levar pela música baixinha, bonita mesmo, eu a acho chata. 

E nisso vinha pensando, desde a madrugada, insone por conta de outra crise alérgica, que eu já vivi demais. E até enquanto estava no carro a caminho do trabalho e até a conversa com o motorista me enchia de um tédio tão profundo que eu mais de uma vez pensei que seria mais agradável se ele apenas jogasse o veículo na ponta ou se alguém batesse em nós com tal violência que os socorristas precisariam limpar as nossas vísceras das ferragens dos carros, nessa manhã brutalmente ensolarada. E o motorista me disse, na maior inocência do mundo, que hoje está fazendo um dia lindo, e eu prontamente respondi, imaginando como seria se chovesse fogo do céu destruindo tudo, quase aos prantos por achar esse dia incrivelmente chato. 

E então, depois da explosão vulcânica, onde os deuses da guerra habitaram meu peito fazendo dele seu campo de batalhas brutais e usando minhas vísceras como chicotes e cordas de enforcamento, me veio a calma da dopada candura. Não fosse o bom Rivotril teria que me esforçar bem mais para não cometer um crime...

X

É engraçado ver como somos diferentes. Quando você precisa calar eu quero falar, e aí quando você está falante eu me aquieto... O que você gosta de manter para si, sério e misterioso, eu digo às claras. Nos momentos em que você sorri eu estou sério e eu mesmo sorrio em momentos que te deixam tenso. Eu revelo e você esconde, eu desisto e você persiste de outro modo, eu publico e você guarda entre nós, eu abraço e beijo enquanto você cora a face... 

X

Estava péssimo, como aquela maldita cena se repetindo exaustivamente o fim de semana todo e, cada vez que lembrava, começava a tremer ou voltava a chorar de raiva, e cada lágrima mínima era o mais puro ódio destilado que brotava do meu peito, a mente imaginando as cenas mais pavorosas em que dilacerava as carnes do inimigo declarado, despertando não apenas dor mais o desespero mais profundo da alma que se veria num suplício quase eterno, pior que em qualquer inferno. 

Eram cenas pavorosas, envolvendo vermes e tenazes quentes que deixavam marcas e feridas abertas que apodreciam, doíam, sangravam e supuravam e, no entanto, ainda eram mais belas que o coração podre daquela que era ferida. E eu me comprazia na sua dor, sorrindo como se estivesse recebendo um afago terno no alto da cabeça.

Foi esse demônio que tomou o ônibus hoje cedo, com olhar não vazio, mas assassino, cortante como aço frio. 

Então, após um abraço inesperado eu me senti tocado, e acordei, enquanto sentia aquele demônio novamente ser aprisionado, adormecer lentamente e sentir um leve calor se espalhar pelo meu peito. Fitei a parede sem entender muito bem o que acontecia, e a voz dela então me despertou e me fez perceber que, na realidade, até aquele momento quem estava diante daquelas pessoas era apenas um assassino.

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