quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Fastidio

Nada é mais fastidioso do que disputar com argumentos e explicações com alguém, empregar todo o esforço para convencê-la supondo lidar meramente com o seu entendimento, — para ao fim descobrir que ela não quer entender; portanto, lidávamos com a sua vontade, que se furtava à verdade e arbitrariamente lançava mão de mal-entendidos, chicanas, sofismas, entrincheirando a si mesma atrás do seu entendimento e sua pretensa falta de intelecção. Nada se conseguirá com tal indivíduo: pois argumentos e demonstrações empregados contra a vontade são como o impacto das imagens de um espelho côncavo projetadas contra um corpo sólido. Daí a expressão frequentemente repetida: Suo pro ratione voluntas. — A vida cotidiana fornece provas suficientes do que foi dito. Mas infelizmente elas também são encontradas no domínio das ciências. Em vão espera-se o reconhecimento das verdades mais importantes e das realizações mais raras daqueles que têm interesse em não deixá-las valer, seja porque contradizem aquilo que eles mesmos ensinam diariamente, seja porque não lhes é permitido utilizá-las e difundi-las, ou, se não for assim, porque a palavra de ordem dos medíocres sempre será: Si quelqu'un excelle parati naus, qu'il aille exceller ailleurs; que foi como Helvetius reproduziu maravilhosamente o provérbio dos efésios do Quinto Livro tusculano de Cícero (c. 36); ou, como no dito do abissínio Fit Arari: “O diamante está proscrito entre os quartzos”. Assim, quem espera uma justa apreciação das próprias realizações desse sempre numeroso bando, encontrar-se-á enganado, e talvez por instantes não possa absolutamente compreender o comportamento deles; até que por fim se dá conta de que, enquanto dirigia-se ao conhecimento, lidava com a vontade, portanto, encontrava-se por inteiro na situação acima descrita, sim, assemelhando-se àquele que apresenta seu caso diante do tribunal cujos membros foram todos corrompidos. Mas em situações particulares obterá a mais conclusiva prova de que era a vontade e não a intelecção deles o que se lhe opunha: a saber, quando um ou outro deles decide-se pelo plágio. Com o que então verá com assombro quão finos conhecedores são, com tato apurado para o mérito alheio, e quão habilmente descobrem o melhor; assemelhando-se aos pardais que jamais perdem as cerejas mais maduras.

(Arthur Schopenhauer – O Mundo como Vontade e como Representação Tomo II II 254-255)

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