quarta-feira, 27 de setembro de 2023

O Destino do Homem

"(...) Queria apenas tentar viver aquilo que brotava espontaneamente de mim. Porque isso me era tão difícil?" (Herman Hesse)

Entre cobranças, incompreensões e intermináveis discursos durante os quais pululam em minha mente as palavras de Cícero "mea mihi conscientia pluris est quam hominum sermo"* justamente porque não consigo me alinhar de modo algum ao que os outros me dizem, me levando a inevitável conclusão de que, não podendo dizer se são eles ou eu a enlouquecer, confirmo minha ideia de que todos os homens vivem o inferno de nunca se entenderem. Conquanto Schopenhauer tenha razão na sua apresentação do dilema do ouriço o grande problema é que a maioria das pessoas apenas opta pela morte gélida, já não suportam em nada as dores que lhes causam os outros. 

Me sinto então perdido por entre as torrentes de palavras com as quais os homens confusamente expressam seus desejos e os usam para machucar uns aos outros numa guerra interminável e que, no entanto, apenas parece ser uma longa conversa. Não o é. 

Essas palavras me causam tédio, muito tédio, senão que ando pela cidade sonhando que um carro me acerte com violência ou que um meteoro subitamente desvie-se de seu curso e nos atinja com brutalidade, ou ainda que algum poder ancestral desperte em forma de um demônio gigante monstruoso lançando a humanidade em caos e cinza. Revolta jovem e tosca, bem o sei, mas a abraço com firmeza enquanto observo todos se agarrarem a outros objetivos toscos e vazios. 

O pessoal da paróquia se debate entre ideias erradas, buscando Deus de olhos vendados num quarto escuro, minha mãe pintaria a casa de branco e encheria de troços enquanto meu pai quer comprar um carro para facilitar suas traições. Cada um bonitinho fechadinho no seu mundo bobo, todos com medo de assumirem a realidade: estamos desesperados por ver que nada tem sentido e que caminhamos lentamente para a morte, tão vazia quanto a vida. Minha única reclamação, no entanto, é que a morte poderia ser um pouco mais ágil, conquanto ache que ela apenas tem um senso sádico apurado que se deleita com o sofrimento prolongado da existência. 

Me vejo então em meio a disputas, guerrilhas de interesses, entre pessoas que falam demais o tempo todo justamente por não terem nada a dizer, entre não saber mais o que é real e o que é invenção da minha cabeça, entre pessoas que adoram tudo mas não gostam de nada, entre não saber mais quanto vale o esforço e quanto eu continuo errando por tentar ajudar, cansado, chateado e sonolento, e eu apenas queria poder fazer a mesma coisa, viver a vida, sem muita expetativa e nem perspectiva... 

E então me vi numa daquelas noites onde a solidão falou mais alto, por todas as fibras do meu corpo, e eu decidi que iria até me arriscar ir a um lugar desconhecido para encontrar um suspeito, sem me importar com os riscos, apenas com a necessidade de ter alguém comigo, ainda que por um breve momento de sexo sem nenhum afeto envolvido. E então outra pessoa me chamou para assistir um filme, disse que seria um encontro melhor assim mas, mesmo que eu não tenha ido e tenha ficado com ele, ainda me senti sozinho, e isso me encheu de um ódio profundo, adormecendo depois do filme amaldiçoando o destino solitário do homem. 

 ~

*A minha consciência vale mais do que a palavra dos homens.

Obra: Portrait of Professor Ivanov, Ilya Repin. 1882.

Nenhum comentário:

Postar um comentário