sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Perfume e Memória

Hymne A L'Amour. Sabia que essa é uma das minhas músicas favoritas da Edith Piaf? Já ouvi muito naquelas noites complicadas, de amor em vivas ânsias inflamada (não estou falando de tesão), e como um bom Hino ela realmente traz essa grandeza do tema que ela trata, como um grande salão de festas que, não importando a quantidade de pessoas que dançam ao redor aqueles dois se olham, se entendem e se procuram o tempo todo. Também me recorda uma antiga estação de trem, pode ser uma chegada, uma partida ou uma lembrança distante de ambas as coisas, de todo modo é uma profusão poderosa dessa ode ao amor, dessa declaração de eternidade, em que cada um, vozes, violinos, violas, tudo ressoa na mesma intensidade: a intensidade daqueles corações que se amam.

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Ostentando uma completa e absoluta falta de vontade de viver, de qualquer modo que seja. Na espera de algo que me faça entrar na frente de um carro em alta velocidade. Algumas pessoas podem inclusive chegar a dizer que essa espera já é em si um reflexo da vontade de viver, que eu na verdade estou ardendo dessa vontade mas desesperado demais para assumir. Digam o que quiserem. Ou talvez seja apenas uma parte de mim dizendo isso para mim mesmo. E então me surge até uma vontade de querer sentar e reestruturar tudo, hábitos, rotina, alimentação, mas sejamos sinceros, eu não vivo a vida de uma youtuber loira, magra e rica de seu conteúdo no OnlyFans, chego em casa tão cansado que nem consigo ficar acordado muito tempo, e ainda querem colocar a culpa de não ter disposição nos meus hábitos? 

Enfim, não pretendia tomar esse rumo mas, quem sabe, fazer algumas reflexões sobre o que tenho lido ou visto, mas estou cansado demais para conseguir organizar esse tipo de informação que, espero eu, esteja se depositando no fundo da consciência. Droga, até a inspiração tem me fugido pelos dedos. 

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A única coisa que me vem atualmente são duas pequenas cenas de duas obras diferentes. A primeira delas é protagonizada pelo Taro Lin, na série taiwanesa Kiseki: Dear To Me, onde ele entra em sua casa, depois de finalmente conseguir se entender um pouco com seu incômodo hóspede, e resolvendo lhe trazer a sobremesa que ele pedia, num gesto de reconciliação, afinal o beijo que fora motivo de briga também era o início de uma paixão. E ele então entra em casa com tudo escuro, com tudo silencioso, e lê num bilhete que o outro se foi, deixando-o ao que, sentado no chão e olhando para a porta ele imagina o outro fechando-a, o que o remete a partida de alguém em sua infância, já que ele esteve sozinho por muito tempo. A força de uma cena breve, que dura uns poucos minutos, com uma mesa vazia na entrada de uma casa escura e estranhamente fria agora. Aquele olhar, sempre sério e distante que ele tem com todos, é revelado então como reflexo da situação que ele vive. Por ter sido deixado só ele não se aproxima de mais ninguém, porque as pessoas sempre podem deixá-lo de novo. Mas aquele idiota era diferente, ele conseguiu se aproximar mesmo com toda rejeição. 

E agora ele entrava ali e se via sozinho, até a luz antes passava pelas portas de vidro se foi, o calor de antes se foi e ele ficou só com o próprio silêncio. 

Relacionada mas em outra obra de tom bem diverso foi a de Jun & Jun, onde o protagonista se declara após beijar o outro mas reclama que ele sabe que não deveria ter feito aquilo porque o amigo, e amado, iria embora em breve novamente, como foi anos atrás, separando-os e deixando apenas a lembrança do perfume na memória. 

As lembranças trazem consigo essa dualidade entre presença e ausência, a mesma percebida na dialética simbólica sobre a qual falei alguns dias atrás. O objeto lembrado se faz presente com saudade justamente por não estar presente fisicamente, como já bem disse S. João da Cruz "ferida de amor não se cura senão com a presença e a figura". Por estar ausente ele se faz presente na memória, que usa dos artifícios que melhor possam aproximar o amante da coisa amada. O perfume de Jun, o sorriso bobo do hóspede indesejado, a luz que parecia cheia de calor e que agora é fria e vazia, essas coisas vão criando então eco no coração dos amados que, debilmente, tateiam contra o afastamento, contra o abandono, em suma, contra toda a solidão que, a cada dia, me parece mais e mais ser a condição permanente do homem.

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