sábado, 9 de setembro de 2023

Noite de Domingo e Confusão Posterior

"Meeresufer im Mondschein" de Caspar Friedrich

É noite de domingo, as pessoas finalmente sucumbiram a preguiça desse dia, ou estou chapado de um xarope pra alergia que tomei na esperança de me fazer dormir mas que só me deixou mole o dia todo na cama, a única coisa ruim foi ter de ir numa reunião interrompendo meu ritual de não fazer nada por uma hora e meia, voltando direto pra cama sem nem pensar direito no que foi dito e no que preciso fazer, não quero pensar em nada disso hoje. 

A cidade sempre fica meio silenciosa nesses dias, todos estão em suas casas, quietos, descansando da fadiga diária, muitos vão para a praia aproveitar o sol, eu passei o dia deitado no escuro e ainda concordei com uma pessoa que me disse que fizera um dia lindo, acho que estávamos falando de coisas diferentes. 

Se fecho os olhos sei que posso sentir as pessoas bebendo, tentando não pensar no amanhã. Por incrível que pareça eu não quero beber hoje, nem conversar com ninguém, nem assistir. Considerei tomar o vidro de xarope inteiro e mais alguns comprimidos, sei que foi uma bobagem irresponsável mas não acho que seja tão grave assim. A cidade toda está preguiçosa, me pergunto se vou sair daqui até amanhã. Acho que não. 

Também estou ignorando os claros sinais depressivos que ficam mais fortes a cada semana, sinto minhas forças indo embora lentamente e aqueles tentáculos gelados me rodeando, a espreita, procurando me devorar. Não é como se perceber isso me permitisse lutar, não, eu só fico aqui parado, enquanto sinto os sentidos entorpecerem lentamente, dia após dia. 

A cidade toda está preguiçosa, e eu tenho certeza que todos devem pensar que eu também estou. Mas a verdade é que todos estão doentes, só que eles parecem não ver isso, e eu só consigo olhar pros céus e clamar que a misericórdia pudesse acabar com todos nós numa chuva de fogo e cinzas. Um fim rápido e indolor, pois de dor acho que muitos de nós já viveram demais, agora já estamos com a pele calejada e dura, já não sentimos mais nada. 

X

Estou sentado, de olhos fechados há vários minutos, tentando me concentrar em alguma coisa que me faça esquecer a vertigem dessas horas. É irônico que, mesmo depois de tanto tempo, eu ainda demore a identificar. Acho que fiquei num episódio de euforia por tantas semanas que tinha me esquecido como é normal ciclar rapidamente. E quando, ontem acordando no meio da noite, eu me senti tonto e sem foco, achei que fosse por causa do xarope que tinha tomado para me dar sono e não essas longas horas de confusão mental que viriam da mudança de episódio.

Vinha de pé no ônibus mas o resto dos detalhes da viagem me são um borrão apenas. Sei que tentava me equilibrar ao mesmo tempo que tudo girava, e não é só como se eu estivesse tonto, mas as palavras também giravam, as mensagens giravam e, só de pensar o que todos iriam me perguntar durante o dia, me sentia mais e mais tonto. 

Queria poder ficar deitado mais um dia, de olhos fechados no escuro. Odeio essa sensação de confusão. Nem é como quando somos bombardeados por mil informações e não conseguimos mais absorver nada, senão que ficamos confusos, não é assim. É mais como se as coisas começassem a derreter na minha frente. Por isso eu sempre digo que as coisas giram, é como se elas perdessem o eixo, ou eu perdesse o eixo, e então tudo passa a ficar diferente, as vozes distantes e eu custo entender, aí sim as informações embaralham, fico irritado e sentimental. Não consigo nem mesmo descrever o que acontece, o que só me irrita ainda mais porque as palavras, que normalmente são meu refúgio, me escapam e perdem todo o sentido. 

Eu fico inseguro, com medo de fazer ou dizer algo errado, e então fico com aparência transtornada justamente porque preciso pensar em cada passo. E é claro que as pessoas não facilitam também. São mil informações num minuto, mas como elas saberiam que minha mente se reduziu a gelatina? Não saberiam e se eu disser não vão entender, então acho que tudo que posso oferecer é um olhar bobo e vazio enquanto tento não enlouquecer.

X

Eu fico te mandando essas besteiras, acho que é um tipo de impulso incoercível de despertar algo em você, o que faz de mim idiota em vários níveis diferentes. Me sinto como aquele assassino do Vampiro de Dusseldorf e você, uma daquelas pobres crianças. Com a diferença que, na realidade você não é uma criança, é um espectador do meu espetáculo grotesco.

"Ergui-me e tomei o rumo de minha pensão. A lua brilhava. Meus passos ecoavam pela rua vazia, parecendo os passos de um perseguidor. Olhei ao redor. Eu estava enganado. Somente a solidão me acompanhava." (Charles Bukowski)

Nenhum comentário:

Postar um comentário