segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Domingo e Mahler

Domingo, um dia preguiçoso em sua essência, em partes movimentado pela eclesiologia romana e em partes melancólico pelo calor e pelo tédio institucionalizado que ruge por entre as vinhetas dos infindáveis programas de variedades que tentam inspirar ou divertir as pessoas com entretenimento da mais baixa qualidade. 

É um saco fritar na cama, incomodado pelo suor inconveniente, pelo sono insistente e pela sensação complexa de que poderíamos estar fazendo algo mais interessante ou útil, mesmo nossa mente não sabendo dizer exatamente o quê. É o auge da decadência ouvir as pedras de dominó baterem de modo interminável sobre a mesa ou o cheiro de churrasco do vizinho acompanhado de música ruim numa caixa de som estourada. É o último grito do homem em tentar esquecer de seus problemas afirmando a sua existência numa convenção social tosca e sem sentido, tão sem sentido quanto rolar de um lado para outro na cama sonhando com uma realidade paralela inexistente onde a minha vontade corresponde a um imperativo categórico, um mandamento divino. 

Só consigo então lamentar ao me imaginar preso na lei do Eterno Retorno, simbolizada no ourobouros do meu peito, um ciclo infernal de tédio em que passo a eternidade buscando por um sentido na minha existência vazia de significado, enquanto sou obrigado a aturar a problemática do ser. Não me parece uma perspectiva agradável, antes disso, me parece o pior fim imaginável. 

X

O Allegro Maestoso da Sinfonia N°2 do Mahler é um início enérgico, poderoso, uma forma lindamente poética de narrar a queda do herói que há de ressuscitar ao fim da obra. A forma como as cordas graves dão um tom solene de uma marcha de guerra ao passo que o resto da orquestra se contrapõe com os pormenores da batalha e os sentimentos do herói mesclam a delicadeza e a força de modo emblemático. 

É significativo ouvir uma obra como essa, uma miscelânea de sentimentos transbordam por entre as linhas dos compassos, desviando um pouco a minha atenção dos problemas da realidade para me fazer observar a trajetória de morte e ressurreição que Mahler narrou baseado na liturgia cristã. A tensão que perpassa os movimentos seguintes e a resolução magnífica, uma vez mais de um lirismo poderoso, típico de um compositor que absorveu algo de Beethoven e Wagner para criar uma atmosfera tão grandiosa e, ao mesmo tempo, tão delicada em seus mínimos detalhes. 

Também é belo notar como a música pode exorcizar fantasmas, como se as notas da soprano em dueto com o violino fossem uma grande prece dos lábios de um santo que não se deixa perturbar pelos insultos que o demônio dispara contra sua estirpe. Não sei, no entanto, se os fantasmas fogem da gente ao toque da música divina ou se nós é que conseguimos ignorar o seu murmurar maledicente ao contemplar de tal realidade, como o oceano orquestral que insurge por sobre os montes e campos com uma força magnânima, jamais vista, porém sentida por poetas e músicas nas salas de concerto de todo o mundo. 

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Sinto, não sem um certo incômodo, uma responsabilidade crescente conforme os anos avançam. Eu olho para minha mãe, e cada dia mais as suas rugas aparentes, linhas de idade mais profundas e as forças diminuindo e me cobro, pois já chegou o tempo em que eu deveria cuidar dela, e não ela cuidar de mim, como o filho fraco mentalmente e inútil praticamente em todos os aspectos da minha vida. 

Já deveria conseguir me consolidar profissionalmente, de algum modo, mas eu não vejo nenhuma forma de fazer isso agora, não vejo como poderia tomar para mim a responsabilidade de cuidar dela. E isso é um peso crescente com o qual eu não tenho como lidar, a não ser suportar, pacientemente, dia após dia, e tentar não pirar ainda mais, sobrevivendo (porque é apenas isso que eu posso fazer) as crises de pânico que todas as noites me destroem. Isso demanda de mim mais força do que eu tenho, e é exaustivo me olhar no espelho e ver que não é força suficiente.

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