quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

A altivez em meio as chamas

A inspiração surge como uma doce melodia, que nas teclas de um piano é capaz de contar as intempéries sofridas por uma alma atormentada pelos fantasmas do próprio passado, que ao seu ouvido murmuram palavras macabras de desdém, e que como vermes a comerem a carne putrefata de um cadáver, devoram as entranhas de um coração que há muito busca na vida uma razão para continuar a existir, ou para finalmente dar cabo de sua existência miserável.

Na mente contrasta com o coração a bela imagem de um ser alado, quase seráfico, a orbitar por sobre as cabeças de um pobre miserável. A visão daquele anjo superior lhe perturba a alma tal qual um exército inimigo perturba uma nação dada sua supremacia beligerante. Um anjo alto lhe circunda a alcova, com uma luz divinal a lhe cobrir o corpo. Sua imagem alva contrasta com o azul nebuloso da noite adornada por uma miríade incontável de corpos celestes que, no entanto, não conseguem brilhar tanto como aquela figura que na noite escura se plasma.

O homem na noite escura busca aquele por quem sua alma clama, e ama sonhar com sua figura idílica. Na noite escura ele busca por quem sua alma ama, e o amando por ele a clama. 

Aquela figura se destaca não só pelo seu brilho, mas pela perfeição de sua forma. Nem mesmo as rosas possuem tão delicada beleza, e nem milhares de seus espinhos poderiam se comparar a altivez que sua presença transmitia. Tal como um trigal iluminado pelo sol radiante seu olhar aquecia o mundo, e parecia mergulhar a totalidade da existência num abismo de gelo caso se retirasse dali.

Em sua mão segurava uma espada que, embora coberta pela bainha, deixava desprender de si poderosas chamas, que abrasavam a terra e transformavam aquilo em que tocavam em cinzas. Poderia reduzir o universo às cinzas se quisesse, e como naquele dia de ira o mundo seria envolto em cinza fria. 

Mas aquela visão não era apenas uma mera visão, e aquelas chamas provavam isso, ao passo que não passava de uma visão, e da mesma forma como apareceu, desapareceu, deixando o coração do homem mergulhado no mais absoluto terror, e horror, pela perda de tão grande ser que um dia o visitou. 

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