quinta-feira, 9 de março de 2023

O Belo em Santo Agostinho e Santo Tomás


Ao tratar do tema da Beleza, Santo Agostinho parte da concepção platônica da imagem material como reflexo da imagem ideal. Para Platão o mundo material é uma cópia de um mundo de ideias perfeitas. Agostinho explica isso de um modo muito interessante: se um homem vai fazer um armário de madeira ele já tem na sua mente uma ideia desse armário, e esse é o armário ideal, e então a partir do momento que ele pega a madeira e constrói o móvel ele tem uma imagem desse armário (não se pode dizer que esse armário é real e o outro não porque algo existir de modo mental continua sendo real, aliás Platão conferia até uma existência ainda mais real as coisas ideais do que as materiais). 

S. Agostinho traz então essa concepção pro âmbito cristão com a afirmação de que a criação é um reflexo do mundo ideal de Deus. Deus possui, por definição, os atributos supremos de Beleza, Justiça e Verdade, sendo todos esses sintetizados na Bondade. Ao criar o mundo então Deus infundiu algo de si em todas as coisas. Por isso ele disse “Deus viu tudo o que tinha feito, e era muito bom” (Gn 1,31). As coisas são boas porque elas são reflexo de Deus.

O Ser então contém algo de Deus e por isso é Belo. Nesse sentido ontológico (no sentido do Ser) não existe a completa feiura porque não existe nas coisas criadas a ausência completa de Deus, o que pode existir são gradações da presença de Deus, como no pecado. Logo, o estado de Graça é mais Belo que o pecado, o que não é muito difícil de se entender. 

Admitimos então graduações da presença de Deus a medida que as coisas contém mais ou menos. E aí temos um primeiro conceito para tratar da beleza: a unidade. Uma coisa tanto mais é bela quanto se aproxima da unidade entre a sua forma matéria e a sua forma ideal. Se o armário de que falamos antes falta uma porta ele está defeituoso, mas se ele acaba de ser fabricado ele contém em si mais beleza porque todas as suas partes estão unidas. A força da unidade é tão grande que as coisas só são verdadeiramente belas se todas as suas partes estão unidas. Isso é observável na arte, na nossa forma humana... Uma árvore seca causa estranheza, uma música desafinada também, uma pessoa sem braço é justamente chamada deficiente por isso. 

Então se admitimos essas graduações temos coisas mais e menos belas. Quando o ator Us Nititorn aparece na sua forma masculina, ainda que simples, ele ali contém os atributos que se espera que ela contenha pela participação masculina no Ser. A voz grossa, a sobriedade no agir... Quando, no entanto, ele age de modo a exagerar o feminino causa certa estranheza, mas ao mesmo tempo consegue ter ainda beleza porque faz uso correto dos atributos femininos, se aproximando então desse ideal, muito embora a estranheza se deva ao fato de que esse atributo não casa com o fato de que ele é homem, logo essa afetação feminina causa uma ruptura na unidade. 

Ele então tem sim atributos de Beleza mesmo quando age de modo feminino, mas só é ainda mais Belo quando se encontra na sua forma, por assim dizer, normal. Toda beleza que é composta de partes é mais digna de louvor no seu conjunto do que numa de suas partes tomada isoladamente. O lado feminino dele é Belo, mas é ainda mais Belo quando se encontra em harmonia com todo o seu ser. A isso chamamos de Proporção, os diversos graus de unidade de algo.

Santo Tomás define o belo como “pulchrum est id quod visum placet” (o belo é aquilo que agrada à visão). Então já temos dois elementos aí: a visão e o deleite, o agradável. 

Para ser visível algo precisa ser achado, precisa estar acessível aos sentidos. Então para ser Belo algo carece de a Clareza de se mostrar, um certo brilho. Não é possível ver a beleza de um quadro velado, o que é óbvio, mas isso aplicado a outros contextos gera confusão. Por isso falei acerca do ator que, sendo homem, agia de modo feminino, o que em certo modo ofusca o seu brilho masculino a medida que abrilhanta o feminino. Quando vemos o ator sendo a plenitude do que é ele se torna ainda mais Belo. Daí a consagração das coisas belas de modo atemporal, o corpo belo dos gregos continua belo hoje. 

“A desigualdade e a disposição hierárquica das essências se funda sobre a desigualdade das participações possíveis ao Ser, do qual cada uma é representada por uma das ideias de Deus” (Étienne Gilson)

Dessa reflexão apreendemos então que todas as coisas são belas a medida que são (existem), mas temos graus de beleza que, mais tarde, podemos explorar em outra investigação e que tem maior ou menor impacto na formação e na mentalidade das pessoas. 

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