terça-feira, 7 de março de 2023

Ao enésimo suplício

Eu estava falado sério, e eu sei que você se irritou brevemente, quando eu disse que gostaria de ir para o mesmo lugar que você. Isso porque eu sei que alguém com sua pureza e bondade tem um lugar bem melhor do que alguém como eu, que é apenas governado por estímulos cada vez mais escassos e que não tem mais nenhuma perspectiva de vida. 

Isso porque, nos últimos tempos, tenho notado uma crescente sensação de vazio em mim. Talvez seja o costume com a rotina vazia que agora eu cumpro diariamente e que se compraz no cansaço infindável e sem propósito, e é justamente essa falta de propósito que me desanima. A verdade é que tenho estado triste, e apenas triste eu olho para as coisas ao redor, acordo cedo e tento cumprir minhas obrigações, mas nada disso ocupa um espaço importante dentro de mim, nada tem minha atenção máxima, como se minha vida dependesse disso. Eu apenas vou vivendo um dia de cada vez e tento me recuperar do cansaço apenas para me cansar novamente. 

Não há espaço para aspirações maiores, e não digo que isso é culpa da rotina, mas é culpa da minha falta de forças para buscar aspirações maiores. Eu apenas vislumbro feixes de verdade mas logo fecho os olhos adormecido. Eu já não sinto prazer e nem alegrias genuínas, eu apenas vou vivendo, um dia e outro dia. A única coisa elevada que há é que eu continuo tentando entender cada vez mais a baixeza intelectual do nosso tempo porque acredito que, de algum modo, isso é responsável pelo sentimento de profunda depressão que eu tenho. 

Uma coisa que me incomoda é minha capacidade de sorrir e de continuar fazendo piadas. Quando eu olho no espelho os meus olhos não refletem o que eu penso. Quem conversa comigo não imagina que eu flerto com o vazio todos os dias e que, quando fito o horizonte na verdade eu apenas estou contemplando meu próprio vazio. 

No momento, tudo o que sinto é o peso, uma vez mais, a centésima talvez, não ser correspondido e, mais uma vez, amar sozinho. Este é meu enésimo suplício. Sempre foi assim, tudo o que amei, amei sozinho, como disse o poeta. E sozinho eu vou para longe de ti, enquanto você subirá o monte, cada vez mais iluminado e aquecido, eu descerei ao abismo obscuro. 

E por isso eu não posso ir para o mesmo lugar que você, eu acho que minha alma se esvaiu e se perdeu, eu sou hoje apenas essa casca vazia que será devorada pelos vermes. Um demônio não pode seguir uma alma pura. Não há alegria eterna para mim e, talvez, o sofrimento eterno me lembre de que estou vivo. Talvez lá, longe de você, eu me sinta mais vivo do que me sinto aqui.

É por isso que em dias assim eu acordo e me arrasto até meu posto. Coloco uma playlist chamada Músicas tristes do Japão, ou algo assim, e me deixo embalar pelas vozes doces e acordes lamentosos, concordando com a legenda que diz que a vida é uma bela dor. Realmente essa consciência de mim mesmo é dolorosa, mas há beleza pelo menos nessas músicas. Com os olhos fechados eu tento fazer o tempo passar mais rápido. 

Em dias assim eu não quero tirar fotos com donuts e nem fazer maquiagens. Não quero ouvir a voz de ninguém além da sua. Não quero jogar conversa fora com os visitantes que passam, quero apenas falar desse profundo vazio. E é por isso também que, em dias como esse, eu adormeço silenciosamente e consciente da minha condição. Absorto em desesperança. 

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