domingo, 3 de maio de 2020

Sobre desaparecer


Hoje é um daqueles dias que eu quero desaparecer, simplesmente sumir, para algum lugar bem distante daqui ou simplesmente para o meu quarto, sem ver ou falar com ninguém. Estou saturado, às vezes acontece, e preciso de um tempo só pra mim...

Mas parece que é impossível... Parece que todos precisam de alguma coisa quando tudo o que eu mais preciso é fechar os olhos e tentar esquecer de tudo, inclusive das vozes que gritam se cessar na minha cabeça. Quando o que mais preciso é apagar por um ou dois dias, sem ser obrigado a viver nesse mundo miserável, cheio de maldade, cheio de depravação, onde cada um busca apenas a própria satisfação e onde não existe nada de verdadeiramente bom, ou ao menos se existe não aparenta existir. Mas o barulho não diminui, nem dentro e nem fora, toda hora alguém grita o meu nome, toda hora alguém me sacode, toda hora alguém interrompe com violência a minha contemplação. E como se não bastasse o barulho aqui fora, minha família, as amigas da minha irmã, as pessoas da igreja que não conseguem escolher uma musica sozinhas, ainda têm as vozes da minha cabeça, que gritam sem parar, que querem a todo custo me levar à loucura. 

Por isso eu quero dormir, apagar, desaparecer. Eu quero voltar ao nada, desejo voltar a inexistência. Eu só não quero acordar e ter de conviver, estou cansado.Cansado das pessoas que deixam seus arremedos de poder e status fazê-las pensar que podem tratar o outros com descaso, cansado daqueles que não se importam em ajudar, cansado daqueles que só sabem espalhar maldade, que não sabem falar com gentileza. 

Estou cansado, acima de tudo, da falta de amor. Eu olho o mundo ao meu redor e só vejo a busca pela conveniência, nada de amor. Aquele que me trocou voltou ao ser trocado. Conveniência, novamente sou a segunda opção, buscado quando não encontram algo melhor. 

Mas parece que é impossível, fugir para aquele jardim fechado. Parece que sou obrigado a viver aqui, de maneira penosa, tão plena de dores e dessabores que tudo o que me resta é esperar pela morte. 

Sei o quanto isso soa exagerado, mas não é exagero, é apenas o retrato fiel de alguém que perdeu a graça na existência, que já não sente mais vontade de buscar a felicidade, que sequer acredita na existência do amor, e que só espera pela próxima traição, pelo próximo punhal a ser cravado nas minhas costas, depois de tantos outros. 

Tudo isso vem acompanhado de uma miscelânea de sentimentos conflitantes: ansiedade, medo, explosões de fúria e melancolia, autopiedade. É o que restou, uma confusão de cores feias que se misturam num quadro bizarro, numa garatuja disforme e de olheiras profundas, incapaz de ficar bonito mesmo sob a luz do sol. 

Será que estou enlouquecendo? Tem dias que eu penso isso, que se continuar sendo obrigado a conviver em sociedade, num lugar tão feio e apertado, sem a menor perspectiva de progresso, enlouquecerei por ter sido oprimido, violentamente oprimido, pela horrenda falta daquela elevação espiritual que o belo nos traz. É impossível ser plenamente beneficiado pelo belo morando numa lugar tão apertado, tão feio que o simples ato de abrir a porta já me enche de náuseas e de uma ânsia de vandalismo difícil de ser controlada. 

Só queria desaparecer, para algum lugar bem distante, onde possa ver o céu estrelado, sem o incômodo dos mosquitos, onda possa sentir o perfume das flores ou ouvir uma bela música de verdade, experimentar uma boa comida. Só queria não ouvir pedidos o tempo todo, só queria que não largassem sob minhas costas as obrigações que deveriam ser de todos. Só queria que as pessoas tivessem o mínimo de senso do ridículo, das proporções e de estética. Mas são tempos de loucos, todos estão cegos, perdidos em suas concepções depravadas e poluídas, e eu estou sendo contaminado por elas.

Eu me esforço, tento dar o meu melhor o tempo todo. Tento ser uma companhia agradável, responsável, tenho iniciativa para resolver os problemas, mesmo não sendo muito bom em quase nada, mas mesmo assim, tudo o que as pessoas fazem é me criticar, reclamar e exigir cada vez mais de mim. Mas exigir mais o quê? Não há mais nada. Eu sou isso, só isso, e eu lamento muito não ser suficiente para agradar a todos. Não importa o quanto eu dê o meu melhor, o meu melhor nunca é bom para o outro.

Me abandonam por dias, me fazem acumular funções que não precisava, e ainda assim têm a coragem de olhar na minha cara e apontar os meus erros. Eu não aguento mais isso. Não aguento mais não ser suficiente. 

Não consigo mais estudar como gostaria, há meses sem conseguir ler um livro sequer, minha concentração cada vez pior... Eu estou esgotado, e não consigo ficar um dia sequer sem contato sem que façam um alvoroço no mundo para me acordar e me fazer resolver mais algum problema. Mas se minhas habilidades não são suficientes então por qual razão continuam atrás de mim? Resolvam sozinhos!

E eu não quero nada disso, eu não quero mais esse mundo, essa vida, as pessoas que me cercam de maldade e falsidade, como o inimigo que busca matar, roubar e destruir. Já é bastante difícil conviver com meus próprios demônios, com as vozes que não param  de me dizer o que fazer. Eu não quero mais chorar, eu não quero mais me cortar esperando que a dor física alivie a angústia, eu não quero mais nada disso. Eu não quero voltar lá, não quero ouvir as palavras ácidas, não quero ver apenas pessoas querendo poder e mais poder, eu só quero fazer a minha parte. Eu quero correr e gritar, quebrar coisas, desfazer os músculos do meu corpo repletos de ódio, quero desaparecer, voltar ao completo nada, aquela época antes de os homens se separarem em seres de puro rancor e malícia, eu quero voltar ao nada, eu quero voltar a inexistência.

Sou um homem cuja essência é a desesperança. Não há como ser diferente vivendo como vivo, com as pessoas com quem vivo. Só queria ouvir o quebrar das ondas do mar nas pedras, só queria ir pra qualquer lugar onde a beleza esteja mais presente do que a horrenda mentalidade distorcida da modernidade. E, caso isso não seja possível, só queria voltar ao nada, voltar a inexistência.

Pois tudo retorna ao nada!

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