sábado, 16 de maio de 2020

Eu mesmo e o mundo

Resolvi fazer algo que não tenho o costume de fazer. Resolvi andar um pouco, sozinho mesmo, após o anoitecer. Fui até o fim da rua, onde tem um pequeno campo, e que achei que seria bom para ver o céu. 

Sentia falta de ter uma consciência maior da minha própria existência. O contato em demasia com o mundo virtual nos faz ter uma noção distorcida do eu, do meu lugar no mundo. A paralaxe cognitiva se torna quase impossível de evitar. 

Fiquei de pé mesmo, descalço, sentindo a terra fria e a grama úmida do sereno sob meus pés. O vento fresco em minha pele, não peguei casaco, e logo comecei a tremer de frio. Esse vento, esse mesmo que agora beija meus braços e meu rosto, viaja desde muito longe. O que será que ele tem a me contar? Quantas vidas ele tem tocou, quantas histórias ele viu, quantos solitários ele rodeou? 

Essa é também uma percepção da imensidão do mundo, da gigantesca e esmagadora percepção do pequeno lugar que ocupo na existência. O homem em sua solidão está no centro do mundo, mesmo à margem desse mesmo mundo. 

Nesse mesmo momento muitos outros vivem, de modos diferentes. Alguns estão juntos, sorrindo e se beijando, cantando ou cozinhando, e outros estão acompanhados pelo mundo virtual. Mensagens, vídeos e áudios fazem as vezes de percepção física que antes se davam nos abraços nos olhares que se encontravam cara a cara. Em alguma lugar o sorriso do imperador faz alguém sorrir e se declarar. O mundo físico parece que não vai durar muito tempo, mas ainda assim é grande demais pra ser compreendido e abarcado pela minha consciência. 

Mas isso é o que eu tenho agora. A grama fazendo cócegas em meus pés, o barulho abafado dos vizinhos. Luzes acesas, ruídos dos gatinhos que andam aqui perto, pulando silenciosamente entre muros e portões. O que eu tenho sou eu, e o mundo que me cerca, e nada mais. Mas o que seria esse mais? O outro. 

Não tenho nada senão eu mesmo e o mundo. 

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