quarta-feira, 6 de maio de 2020

Ameaça

Meu coração começa a bater um pouco mais rápido, a boca fica seca e eu começo a suar. Fui ao meu quarto e me olhei no espelho, pele oleosa, um sinal claro de que minha ansiedade está querendo atacar. 

Eu me recordo então, enquanto espero meus amigos chegarem para o ensaio da próxima Missa, de quando minha ansiedade atingia picos horríveis. Me lembro de ficar dias sem comer, de tremer e chorar sem motivo aparente, de entrar em pânico ao ver uma pessoa ou uma comunidade inteira reunida. 

Das coisas que já senti a ansiedade sem sombra de dúvidas é uma das piores, ao lado da depressão que vem acompanhando-a nesse transtorno bipolar. Não sei dizer o que é pior, se é o desespero diante de qualquer coisa, o pânico esmagador que me faz perder a respiração, turvar a visão e tremer os joelhos como uma criança. Ou a depressão, o vazio absoluto que me deixa dias e dias sem nenhuma reação, vegetando em cima de uma cama, sem nenhuma perspectiva de vida. 

Já fazia um certo tempo que eu não sentia isso, e me sinto horrível de novo. Ansioso por voltar a cantar, ansioso por ter certa responsabilidade, ansioso simplesmente por existir. Sinto uma ameaça, uma fera dentro de mim à espreita, esperando o momento de me devorar, mesmo que não tenha me recuperado totalmente de seus últimos ataques, ainda tenho as cicatrizes de suas garras, no meu corpo e na minha alma. 

Antes de me levantar hoje eu tive de fazer um grande esforço, sentei na cama com os pés pendendo quase tocando o chão, e fitei os calçados que coloco ali ao meu lado. Calçados que preciso usar cada vez que saio de casa, cada vez que sou obrigado a andar, quando sou arrancado com violência da minha letargia para enfrentar o mundo. Tem sido cada dia mais difícil. Mesmo que já tenha se tornado um hábito sair quase todos os dias para os compromissos com a igreja, tem sido cada dia mais difícil. Não pela igreja em si, uma das poucas coisas que ainda me dá razão na vida, quando estou no altar, mas pelo sair, pelo esforço de ver os outros, pela dor que é conviver. 

Eu gostaria que não fosse assim, gostaria de conseguir fugir, mas como eu posso fugir de uma coisa que está dentro de mim? Não há como fugir de mim mesmo e, em tempos como esses, eu tenho medo de mim mesmo. Medo do escuro, medo do que posso fazer, medo de voltar aquele abismo do qual eu saí com muito custo. Tenho medo porque eu sinto que aos poucos as coisas vão desmoronando... E tudo retorna ao nada!

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