sábado, 23 de maio de 2020

Síntese

Vivo em meio a uma dicotomia, entre uma batalha interminável entre duas feras, dois temíveis dragões que cruzam os céus do meu disputando por quem haverá de ter o controle sobre mim. Eu não assisto atônito e impassível a essa disputa, mas sirvo como palco, recebendo cada um de seus ataques que eram dirigidos ao seu maior inimigo. 

Por um lado há um dragão negro com olhos de fogo e chifres de ouro, violento, que ordena que seus asseclas murmurem coisas terríveis em meus ouvidos, plantando lentamente em mim as sementes da autodestruição. É dele que surgem as vozes na minha cabeça que me deixam em completa paranoia. Como ele rodeia os céus com o seu corpo longo e forte, também eu rodopio entre uma ideia maldosa e outra, acreditando em cada uma de suas palavras que me dizem que eu nunca serei capaz, que eu sou horrível para todos ao meu redor. Ele semeia em mim a ansiedade que cria uma onda de energia que percorre todo meu corpo, acelerando meu coração, secando a minha boca e me levando ao desespero de noites e noites em claro, atormentando pelos seus fantasmas. Eles gritam, me lançam de um lado para o outro, me xingam e me cospem com violência. Eu também me irrito, consigo golpear também, com violência, alguns dos demônios, mas toda dor volta para mim. Num grito de fúria eu tento, em vão me libertar.

Qual a razão de existir em meio à completa loucura?

Seu rival busca me destruir de outra forma. A fim de derrotar o dragão negro, o dragão branco de olhar congelante me suga todo o calor, retira de mim toda a minha energia, me deixando apático, sem ânimo algum, apenas deitado, olhando com terror aquela luta que nos céus parece não ter fim. É a destruição lenta e silenciosa que começa nas pequenas coisas, até que atinja graus maiores. Começa com uma barba que cresce mais do que o comum, a falta de vontade de me cuidar, um dia sem banho, afinal, qual a razão de me cuidar? Uma alimentação desregulada, privação de sono, desânimo para sair, conversar, falta de vontade de sorrir com os amigos, até que termina no completo questionamento da existência. 

Qual a razão de existir nesse grande vazio? 

A autoestima é destruída, em ambos os casos. Se me cuido os resultados não são satisfatórios. Se não me cuido isso afeta a já combalida autoestima, que por não me cuidar acaba mergulhando ainda mais fundo no poço do ódio próprio. Que aparência patética, ninguém jamais teria coragem de se apaixonar por você!

E assim eu vou, caminhando? Existindo. Em alguns dias dou passos, em outros eu estou correndo sem rumo, e noutros ainda estou deitado, chorando ou, pior ainda, sem conseguir sequer chorar, pois o vazio é tão grande que já não sobraram lágrimas para derramar. 

E eu disse que não queria falar sobre a tristeza, mas se eu não falar sobre o que vivo, falarei sobre o que? Se a alegria não é para mim outra coisa senão um quadro que eu vi há muito tempo, do qual me lembro muito pouco, apenas de alguns traços e cores a me chamar a atenção. 

Quando fui diagnosticado com Transtorno Bipolar eu me recusei a aceitar. Achava que era apenas algo passageiro, um desequilíbrio momentâneo, mas agora eu vejo que isso tem razões muito mais profundas do que eu imaginava naquela. 

Minha ansiedade, e por consequência a paranoia, veio da pressão de ter de ser sempre o melhor. Quando se cresce numa família ao lado de dezenas de primos, maiores e com mais experiência que você, é preciso colocar na cabeça que a atenção só vem quando somos os melhores. E era assim comigo. Todos tinham a atenção e o carinho da família principal, eu sempre fiquei à margem, e precisei lutar muito para encontrar algo em que sou bom. Seja exposto ao perigo do ridículo e do escárnio por muito tempo e é isso que você vira: um pária buscando seu lugar no mundo.

Encontrei nos livros, na História e na Filosofia, o meu nicho. Compreender a realidade, não em sua totalidade, o que é impossível, mas partindo da minha experiência particular conhecer aquilo que do mundo se apresenta a mim. 

A depressão veio das constantes frustrações em não conseguir atingir o objetivo anterior. Veio das muitas rejeições, que marcaram em o profundo signo da insuficiência. Se, portanto, eu nunca serei capaz de nada, não há razão para fazer outra coisa senão contemplar, catatônico, a miséria da existência. 

E assim eu sigo, sendo devorado pelos dois dragões que, no fim das contas, não são mais do que minhas vontades batalhando entre si corrompidas, evidentemente, pois a esperança se moldou em depressão e a força para vencer se transmutou em desespero. Eis a síntese da minha existência atual. 

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