sábado, 10 de setembro de 2022

Começando a caminhar

Chegando agora da minha primeira entrevista de emprego aqui, depois de dois anos parado, e isso me encheu de uma esperança nova. Mas calma, o que um niilista como eu entende por esperança? Acho que a mudança de ares tem me feito bem, assim como ontem fui a praia e pude ver algo diferente do habitual, a saber a imensidão cinza de um mar revolto que me lembrou os olhos ressacados de Capitu em Dom Casmurro, e então também uma experiência simbólica com o infinito e com os limites do conhecimento no apeiron da minha existência. É, um pouco longe eu sei, mas isso tem me dado ânimo, e foi com um certo ânimo, com uma afetação do espírito, que eu peguei o ônibus hoje cedo e me encontrei com algumas pessoas simpáticas.

Claro, otimismo não é meu forte desde que eu descobri que sabia falar, mas mesmo que não passe nessa entrevista, afinal é apenas a primeira aqui, talvez já seja mais um sinal da mudança: eu consegui sair da cama, superei a letargia que me prendeu por tanto tempo, por tantos dias intermináveis naquele quarto, e fui com meus próprios pés até lá. Isso pra mim já trata-se de uma vitória. 

Isso significa também que, a partir de agora, eu preciso me atentar pra não me deixar engolir pela rotina e então me equilibrar para inserir de modo satisfatório os meus estudos e minha formação do imaginário nessa nova fase. O importante agora é inserir em cada momento livre algo que possa acrescentar, não fazendo a divisão do diletante ou beletrista entre arte e entretenimento mas me entretendo com coisas que realmente sirvam a minha formação e assim aprender a olhar cada vez mais pra cima. 

"Logo, os que não têm experiência da sabedoria e da virtude, que estão sempre em festas e diversões semelhantes, são levados, ao que parece, para baixo, e depois, novamente, até à região intermédia, e por aí andam errantes toda a vida, sem jamais ultrapassarem esse limite, erguendo os olhos ou elevando-se até ao verdadeiro alto, nem se encherem do Ser realmente, nem provarem o que é um prazer sólido e puro; mas, olhando sempre para baixo, à maneira dos animais, inclinados para o chão e para a mesa, engordam e acasalam-se, e, devido à cupidez de tal gozo, dilaceram-se e batem uns nos outros com os seus férreos chifres e cascos, matando-se por causa do seu apetite insaciável, porquanto não enchem de alimentos reais a parte real e estanque de si mesmos."
(Platão – A República)

Essas palavras ressoam em mim como inspiração profunda, marcadas em rocha e na carne para guiar o que deve ser o eixo de toda uma vida. E eu sinto que, embora saiba que a rotina vai tentar me engolir como os olhos ressacados de Capitu, se isso estiver marcado como a prioridade única da vida, fazendo desse objetivo a minha tábua de náufrago, posso conseguir, um pouco que seja, me aproximar da Verdade. 

Vou aproveitar esses últimos três dias de calma para tentar reorientar minha mente para me preparar para o impacto que há de vir, e receber essa mudança de braços abertos como uma forma de dignificar minha ação e de me ajudar a formar minha personalidade, já que eu terei contato com novas experiências e isso vai me forçar a amadurecer de algum modo. 

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