sábado, 3 de setembro de 2022

Expressão de Impressões

É uma inveja, mesquinha e pequena aviltante do espírito, que se manifestou em mim. Meu semblante se fechou e os outros me perguntaram se aconteceu alguma coisa. Não adiantaria explicar, eles não entenderiam porque é algo que não faz barulho, algo que não é feio, e eles só se importam com coisas assim. Essa minha pequenez é algo que fica quieta e silenciosa na estante, apenas colorindo o ambiente e, eventualmente, a minha imaginação, nada com o que eles se importem. E mesmo assim eu reconheço que é uma baixeza de espírito me importar com coisas assim, tão banais que, embora pudesse minimamente contribuir para alguma coisa, ainda assim não é em si mesma essencial. Mas, o que posso fazer? Pelo menos reconheço que as coisas são assim, e talvez consiga mudá-las, usá-las para me impulsionar ao invés de apenas me deixar em estado de um adágio lamentoso como se fosse minha própria morte, é apenas a morte de mais um sonho, só mais um, e pra alguém que já nem mesmo se importa com a própria vida um sonho que morre não é lá muito importante. 

Daí tirar algumas coisas que me possam servir, como me conformar com os acontecimentos que fogem completamente a minha possibilidade de ação e me abandonar a Providência. Visto por esse ângulo o que posso fazer é apenas me lamentar em certa medida quando algo morre, como aconteceu, mas seguir em frente e me deixar levar por essas águas incertas porém infinitamente mais poderosas que eu. De nada adianta não me conformar a elas. 

X

Esse é o primeiro ciclo desde que cheguei aqui. Amanheci bem desanimado e agora a tarde vi todas as minhas forças minguarem, o resultado já é conhecido: voltei para a cama de onde não quero sair. Apenas quero ficar quietinho, em silêncio e, se fosse possível, abraçado a alguém, sentindo o seu cheiro com a cabeça apoiada em suas costas. Apenas isso. 

Junto ao desânimo vem aquele ímpeto luxurioso do qual se ocupam os corpos menos versados nas grandezas da potencialidade da alma. Uma vez mais me vejo baixo, minha alma sem paz, sem lar, sem moradas, isto é, no deserto do pecado e da morte, cego pela escuridão da minha vontade. Aqueles espíritos que a minh'alma perseguem agarram-na sufocada. E então eu me revirando-me como prisioneiro chafurdando numa cela imunda, a cela do pensamento, e de um lado a outro não encontro senão a frieza do chão e o cheiro podre da lama e de toda sujeira. 

Palavras bonitas pra dizer que o meu desânimo depressivo vem acompanhado de um tesão inexplicável. Como se eu tivesse forças pra sair da cama e fazer alguma coisa, se o tivesse eu certamente poderia protagonizar uma daquelas cenas pornográficas com uma dezena de homens, mas não se preocupe, embora minha mente se avilte com essas imagens o meu corpo sequer consegue erguer-se, então tudo o que eu posso fazer é esperar que passem ambos, o desânimo e esse impulso desenfreado. 

Corre o pranto a noite toda, e o corpo age como se quisesse banhar-se no leite de inúmeros amantes. Estou me contorcendo de desejo, as extremidade quentes e a carne quase se desfazendo em calor infernal. Ironicamente o mesmo corpo que deseja pela posse desses amantes com violência não se levanta para dar um passo sequer. Eu poderia me deitar com uma dúzia de homens e ser usado como uma prostituta barata e ainda sentiria desejo de mais e mais, queria poder me acabar de êxtase sexual até cair sem mais forças, suado e ofegante. Perdoe se minhas palavras soam baixas mas eu não vejo motivos para poetizar impulsos tão baixos assim, apenas quero descrever o que sopram os demônios em meus ouvidos quando a eles fico assim tão submetido nessa noite escura. Ou será que essa é minha natureza falando e nada tem a ver os demônios que também têm nojo eles mesmos desse pecado sodomita? 

Seja sob a risada afetadas dos seres caídos ou do seu zumbido de nojo eu estou me contorcendo de desejo, gemendo e prostrado, apenas um animal vítima de sua vontade.

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Por isso digo que isso é apenas um impulso da parte mais baixa da alma, potências que ainda não se desenvolveram além de instintos animalescos. Eu não sou assim, ou melhor, eu não sou apenas isso, senão que isso é justamente a parte mais baixa e menos influente de mim. Passo por ela sem desviar o olhar como quem passa ignorando uma pedra pelo caminho, desviando-se dela sem precisar para isso despedaçá-la, basta que a deixe para trás. 

E foi o que eu fiz, uma volta na baía, olhar um pouco o mar que hoje estava calmo e quase não ventava, me ajudou. Fiquei olhando o céu nublado, acho que a noite deve chover pesadamente, e espero que a água que caia dos céus possa lavar esse desânimo que se infiltrou pelas fibras do meu corpo, e que apague também as chamas luxuriantes do meu sangue.

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É assustador, no entanto, notar a imensa diferença que há em mim quando comparado com a formosura que o céu ostenta, em uma música meditando o mistério da Encarnação de Cristo eu me senti esmagado pela imensa beleza que Ele trouxe ao mundo, seja como Verbo fulgor paterno por quem fez tudo Deus Pais Eterno, seja Homem. Ó que lindeza que eu jamais poderei copiar, apenas se pudesse contemplar sem anuviá-la com minha turva visão já seria muito mais do que mereço. 

E toda a música divina, que a musa e a lira vão decantando com exímia maestria, seus fulgores vão se revelando e como fogo vão pouco a pouco me purificando. Até a formosura que há nas bochechas rosadas desse Menino, flor de um só dia que é Deu Eterno (quem o diria?), me constrange e me coloca em posição de apenas me deslumbrar dessa beleza e de me envergonhar com toda a vergonha que há em meu ser, gemendo sob o peso dos meus pecados sem ousar levantar os olhos. 

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