sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Apatia

Encostei a minha cabeça sob o seu ombro e, de repente, o mundo inteiro desapareceu ao meu redor. Nada mais importava além da sua presença ali comigo, o cheiro doce do seu corpo, nossos dedos entrelaçados, o som suave da sua risada próxima ao meu ouvido. E eu queria, mais do que qualquer outra coisa que, naquele momento, o mundo tivesse sumido para você também, e que ficasse consciente da minha presença, do quanto estar ali ao seu lado fazia emanar de mim todo o amor que sinto por você. É, mas você logo se afastou, mostrando que, na verdade, não foi o mundo ao meu redor que desapareceu, mas que você se tornou o meu único mundo e, você vivendo no mundo real, não percebeu que eu não estava mais ali, mas que estava num mundo onde só existia você. 

E por isso eu me enfastiei das companhias. Das longas conversas, dos passeios, nada mais tem dado prazer ao meu espírito, que tem se contentado a acordar todos os dias apenas para esperar o adormecer, e assim sucessivamente até que... Bem, até que nem sei o quê mais pode acontecer, não há em mim sequer imaginação para tentar prever algo assim. Eu só consigo ver as coisas assim: durante o dia, o tédio abafado dessa cidade feia e empoeirada, esperando para quando poderei finalmente adormecer, me perder num mundo onírico, onde sequer me lembro de meus sonhos. 

Tenho me entediado na leitura e dormido durante as aulas, tenho dado desculpas a mim mesmo para justificar uma dopada candura diária, na esperança de que os ansiolíticos possam diminuir a duração dos dias e, dessa forma, diminuir a agonia que é estar consciente da própria existência. Dormir é melhor do que prestar atenção nesse mundo. O cotidiano é uma doença corrosiva, o acordar, cumprimentar, responder, tudo é uma tortura sem tamanho. 

Num átimo de disposição eu fiz a barba, depois de quase 1 mês ignorando o fato de que transparecia desleixo, mas isso não me incomodava. Depois, ao ver o resultado, esperando ter uma aparência mais dócil e menos animalesca, só pude constatar que continuo igualmente deprimido ao ver meu próprio reflexo me olhando com profundo desprezo, o mesmo desprezo que transborda do meu ser numa ânsia irrefreável de vandalismo. A existência hoje me cansa!

E já nem sequer penso que isso poderia mudar com alguém ao meu lado. Talvez se ele estivesse comigo essa angústia fosse, em partes anestesiada, mas ela não deixaria de existir. Isso porque o que falta em mim não é alguém, a minha carência não é simplesmente de um amado, não, o que há em mim é uma imperfeição fundamental, da qual eu não consigo falar senão apenas balbuciar sobre. Existe um vazio bem no âmago do meu ser mas, embora toda minha existência seja voltada para o preenchimento desse vazio, eu já não tenho forças para percorrer sequer o meu próprio quarto em busca dessa parte que falta em mim. Tudo o que me resta é ficar deitado, a espera de que algo me desperte da apatia profunda, a espera de algo que faça brilhar novamente os meus olhos, brilho que há tanto se foi como o sol que se pôs e deu lugar a uma eterna noite escura, de amor em vivas ânsias inflamada. 

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