quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Golem

Ouvi em algum lugar que em dados momentos é normal a vida ter alguns instantes em que as cores desaparecem, em que o tempo passa devagar e fico tudo assim, sem graça, sei lá... Eu me vi hoje, empertigado na cama, sem forças para conseguir comer, tomar banho ou sequer responder as ofensas tentavam lançar contra mim. Acontece que as flechas não me acertaram a carne, senão que apenas riscaram a superfície, o que restou, a casca vazia que continuo sustentando na frente das pessoas para fingir que ainda existe um eu vivendo aqui nesse corpo. Mas ele já se foi há muito tempo.

E o que sobrou foi apenas esse golem, um boneco, sem coração e nem mente, que sequer é capaz de ver as cores, enxergando um mundo cinza em que o tempo passa devagar, sem conseguir entender como os outros podem sorrir, como pode haver alguma coisa além desse imenso vazio, silencioso e escuro, em que habito. 

E me perguntam por qual razão eu não faço a barba, ou qual motivo de estar sempre usando a mesma roupa surrada. Isso é porque não há em mim sequer uma centelha de vida que consiga lançar alguma luz sobre a escuridão em que me encontro. Não há como reacender a fornalha ardente, o que se desfez em cinzas não pode tornar a ser fogo. Eu me desfiz, voltei ao pó, e não consigo fazer outra coisa a não ser me deixar levar pelos ventos turbulentos, que me conduzem para qualquer lugar ou lugar nenhum. Não há qualquer razão para reagir. A minha vida foi apenas um átomo que se agitou, uma chama que resplandeceu e logo se apagou. 

Por isso fico aqui deitado, com os olhos opacos e distantes, a sentir frio ou calor mas sem reagir, porque aquela vida, aquelas cores que vejo nas séries, estão distantes demais daquele que já cruzou os umbrais da existência, retornando ao nada, pois tudo retorna ao nada e, embora meu espírito e minha vontade de viver já tenham se extinguido há muito tempo, resta apenas o meu corpo vazio, essa casca de aparência humana, a ser transformada também em cinzas, extinguindo assim, de uma vez por todas, essa existência patética, sem a transmitir ao futuro o legado da minha miséria, pois me vejo como parte das estirpes condenadas a cem anos de solidão, as mesmas estirpes que não terão uma segunda chance sobre a terra. 

O fim é como uma canção, e eu vou cantando como aqueles que tanto viram a morte que já não reconheciam sua própria terra senão como um grande palácio de execuções, assim como em meu coração tantos amores se foram como as cabeças daqueles príncipes que a lei de ferro do Filho do Céu levou ao chão... "Adeus amor, adeus raça, adeus ó estirpe divina... E assim, se acaba a vida..."

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