terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Entre o que sente e o que vê

Foi um fim de semana bastante intenso, e se estendeu até segunda, quando pretendia descansar e ainda assim tive de correr atrás de resolver uma série de coisas completamente acima da minha capacidade. Embora eu goste bastante de tudo que se relaciona a igreja eu não posso negar que demanda muita disposição e, como bem sei, não é exatamente algo que eu tenha sobrando. 

O resultando é agora estou absolutamente exausto, com dificuldade até mesmo para abrir os olhos, tanto mais para ficar de pé e executar funções. Necessito de uma boa e longa noite de sono, apenas isso. 

Ontem eu fiz um pequeno lanche com meus amigos, chilli e massa frita pra acompanhar a conversa, eu precisava de um momento assim. Na verdade eu desejava um momento à dois, mas não foi possível. Queria passar um tempo deitado sob seu peito, recarregando as minhas forças. 

É estranho que nossa intimidade cresça, que fiquemos tão próximos, e que nosso relacionamento não se diferencie em muitas coisas de um namoro. Mas não é um namoro, é apenas algo que se assemelha bastante. Muito embora eu fique deitado sob seu peito, que beije seu rosto e toque seu corpo ainda há um limite, uma barreira, entre nós. E talvez por isso que nós comemos chilli entre amigos e não apenas nós dois, como eu queria. 

Dias atrás eu me senti assim com ainda mais intensidade. Precisava de um abraço, tomado por uma súbita carência, uma necessidade latente do outro, um absoluto vazio que só podia ser preenchido com o abraço apertado daquele que eu amo. E eu não ganhei nada. Me sentia mergulhando cada vez mais fundo numa escuridão sufocante, e assim me sinto, cada dia mais, um corpo sem ânimo andando sem razão por aí. 

Como pode o homem ser apenas essa criatura de desejos tão primitivos e poderosos que nos curvamos ante a necessidade carnal da presença do outro? Há dias em que sinto que cada um dos meus poros exala desejo, desejo de ser possuído e de possuir, desejo de realizar os fetiches mais sombrios e as fantasias mais alucinantes que a mente juvenil possa conceber. Há dias, como hoje que, mesmo cansado, sinto cada fibra do meu corpo clamar por uma presença física que possa saciar essa fome irrefreável, esse desejo de sentir na pele os lábios molhados, corpos suados e mãos trêmulas se tocando, ouvir os gemidos e arfados, rasgar a carne com as unhas e me entregar completamente até cair em delírio. Como pode tanto desejo? Como pode viver uma fera assim dentro de um homem?

Quando eu o vejo, vejo o homem gentil, o doce brincalhão, mas também vejo o amante incessante, que padece dos mesmos desejos que eu; Que como uma tocha se consome em ardor de chamar bruxuleantes nas noites escuras onde a carência é mais patente e presente do que o próprio ser. E então ficamos nesse limbo, entre o imenso desejo que sentimos e o que podemos ver, um um mundo sépia que apenas nos serve de razões para desejar sem, no entanto, nos permitir que realizemos o que tanto queremos. 

Me sentia mergulhando cada vez mais fundo numa escuridão sufocante, e assim me sinto, cada dia mais, um corpo sem ânimo andando sem razão por aí. Mas é uma mentira, não é como se andasse sem razão, eu ando em busca de algo, de alguém, que me completa, que me faça ser eu mesmo. Pode ser que esteja dentro de mim ou nos braços de alguém, mas não está comigo. Pode ser que esteja aqui ou nas praias de Phuket, nas ruas floridas de algum lugar, mas não está aqui, não está comigo. Ou talvez esteja comigo e eu não notei ainda, não consegui encontrar ainda. 

Não consigo organizar as ideias o suficiente para escrever mais, é meu limite, a fadiga e o cansaço estão exigindo que eu descanse... 

Talvez o descanso que eu precise não seja esse de apenas dormir, ou ficar com alguém, talvez seja algo diferente, talvez seja o descanso de uma vida nova, de uma vida sem o incômodo de um exército de pessoas de caráter duvidoso na minha casa, sem a confusão de todo dia... Ah, algo diferente que eu não consigo dizer o que é senão balbuciar como criança num anseio que vem do fundo do meu peito, numa necessidade, um desejo que clama desde a profundidade do meu ser. 

E então eu acordo, às vezes de modo abrupto ou após um orgasmo, numa súbita tomada de consciência e fico ali, contemplando toda a imensidão da minha natureza bestial. Não é uma visão agradável, sentir-se homem e olhar no espelho e ver uma fera, ou sentir-se fera presa no corpo de um homem, desesperada para rasgar-lhe o peito e a garganta para correr livre, fazendo dos homens jovens de perfume doce e pele macia suas vítimas. 

"Tudo quanto tenho feito, pensado, sido, é uma soma de subordinações, ou a um ente falso que julguei meu, porque agi dele para fora, ou de um peso de circunstâncias que supus ser o ar que respirava. Sou, neste momento de ver, um solitário súbito, que se reconhece desterrado onde se encontrou sempre cidadão. No mais íntimo do que pensei não fui eu. Vem-me, então, um terror sarcástico da vida, um desalento que passa os limites da minha individualidade consciente. Sei que fui erro e descaminho, que nunca vivi, que existi somente porque enchi tempo com consciência e pensamento. E a minha sensação de mim é a de quem acorda depois de um sono cheio de sonhos reais, ou a de quem é liberto, por um terramoto, da luz pouca do cárcere a que se habituara. Pesa-me, realmente me pesa, como uma condenação a conhecer, esta noção repentina da minha individualidade verdadeira, dessa que andou sempre viajando sonolentamente entre o que sente e o que vê." (Fernando Pessoa)

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