sábado, 2 de janeiro de 2021

A Lança de Longinus

"Eu juro que eu não queria ser assim, só gostar de quem não gosta de mim." diz a música de um cantor que eu decidi parar de ouvir desde que li algumas de suas opiniões na internet. Infelizmente, a despeito de seu pensamento deformado, a música ainda retrata bem o que eu sinto, e a forma como enxergo a mim.

Não é novidade para ninguém o meu negativismo habitual, o meu pessimismo cotidiano, que até rende algumas piadas entre meus amigos. Mas é um fato que eu tenho uma visão extremamente negativa do mundo e, principalmente, de mim mesmo. Aquela outra frase, dessa vez desconheço o autor, que diz "o universo é hostil e a humanidade é inviável" parece ser a descrição mais perfeita do que é esse mundo. Se houvesse uma revista de anúncios de pacotes de viagens intergalácticas essa certamente deveria ser a frase estampada em letras garrafais cor de ouro embaixo das fotos do nosso pequeno planetinha azul de belas praias. 

Eu bem tento fugir dessa linha meio frankfurtiana de criticar tudo e todos, até porque entendo um pouco do quão doentio isso é, mas a o fato é que eu simplesmente consigo enxergar pouquíssimas coisas boas nesse mundo, e a maioria delas sequer está ao meu alcance. 

Mas, deixando de lado o abstracionismo da minha cosmologia quase niilista me permitam voltar ao início: eu juro que eu não queria ser assim, só gostar de quem não gosta de mim! Acontece que esse é um lado meio que venho, já há um bom tempo, tentando suprimir. 

Venho tentando ser mais distante, conversar menos, me interessar menos e dar menos atenção para as pessoas, dessa forma evito me apegar, com a facilidade que me é habitual. Mas isso parece que só tem tornado as coisas ainda mais complicadas. Se antes eu precisava de maiores períodos de convivência até sentir algo por alguém, confundindo os sentimentos e intenções do outro com a minha carência afetiva latente, agora parece que a menor das demonstrações de carinho, afeto e até mesmo educação já são um motivo para que eu sinta meu coração bater mais rápido.

Me vejo como um homem de coração volúvel, extremamente vulnerável a toda e qualquer demonstração de afeto, cuja carência se expressa no mais alto nível de necessidade de completude por meio do outro, o que é um péssimo sinal. Se eu tenho tanto medo assim de ficar sozinho, algo quase fronteiriço, isso significa que estou fadado a me contentar com qualquer coisa, isto é, dispensando atenção e carinho com pessoas que não mereceriam que eu sequer lhes dirigisse a palavra ou permitisse que elas limpassem os meus sapatos. Desde muito tempo eu tenho percebido que me contento com o pouco na ausência do todo, o que acaba por me deixar com o nada. 

E o nada, sendo ele tudo o que me resta em um coração frequentemente partido, frequentemente machucado pelas pessoas que eu mesmo coloquei dentro dele, dói demais, isso porque o nada anseia em ser preenchido por algo, e um coração vazio consome tudo o que o cerca na ânsia de se perfazer. É como se houvesse um imenso rombo dentro de mim, causado por uma imensa lança, cuja ferida vai se abrindo infinitamente, consumindo meu ser, não preenchendo-se mas consumindo tudo o que tenho e tudo o que sou, logo  me levando a crer que vou desaparecer, que vou desfazer em minha própria busca por afeto, por completude, por alguém que me dê um sentido na existência. 

Bem sei que isso se deve ao fato de que busco no outro o que eu mesmo deveria ter e ser. Mas dizer isso é muito mais fácil do que sentir, a verdade é que ser completo ou ao menos sentir-me completo é uma experiência que eu nunca tive e que eu nunca sequer consegui imaginar. Tudo o que me lembro, desde sempre, é de um vazio, é de buscar alguma coisa, de estar constantemente em busca de algo que fora tirado de mim e que eu não sei do que se trata. Por isso continuo dizendo ser alguém que vive num deserto, numa eterna noite escura de amor em vivas ânsias inflamada, esperando pelo dia em que conheça a ditosa ventura de, subindo pela secreta escada, encontrar aquele que eu bem desejava, deitado sob os cedros, largando então ali os meus cuidados por entre as açucenas olvidado. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário