segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Opróbrio

Meu corpo protestou antes mesmo de começar. Como uma profecia a dor se instalou em meus músculos e algo de sobrenatural me disse que naquele lugar iria me ferir. O perigo se anunciou e minhas articulações se enrijeceram diante de uma frialdade espiritual, uma realidade que não pôde ser percebida no sensível, embora nele tenha se iniciado.

O sensível apontou para o suprassensível, o mundo apontou para aquela dimensão onde tudo é perfeito e sem máscaras. A palavra dita neste reflete a realidade daquele, sendo este uma cópia imperfeita daquilo que se esconde sob o véu dos sentidos.

Pelo ouvido entrou a morte que naquele outro mundo já se instalou. Foi a forma que a ideia maligna que se encontrava pairando no encontrou de dominar o coração daqueles fracos demais para enxergarem o que de real acontecia. 

Os homens foram dominados por aquela música hipnótica. Seus sentidos substituídos por cacoetes mentais altamente contagiosos, suas mentes passaram a alinhar-se conforme o pensamento daqueles que os controlavam. E eu, assistia a tudo isso atônito, sem nada poder fazer senão chorar a lamentável cena que minuto após minutos se repetia ante meus olhos. 

Aquela sinfonia macabra se tornou então meu opróbrio, diante de meus amigos eu me tornei motivo de risadas e zombarias. Não conseguiam eles ver o quanto se deixaram dominar por aquela crença maldita? Não, não o puderam fazê-lo, senão que puseram-se a me chamar de louco, por não conseguir dançar no mesmo compasso. 

A música que entrou doce em seus ouvidos saiu como palavras ácidas. Assim é a doutrina do amor ilimitado que dizem propagar os defensores dessa ideia satânica: o amor só existe quando você decide negar tudo aquilo que há de bom, justo e verdadeiro, e aceitando colocar qualquer coisa em seu lugar passa a crer que tudo aquilo que não se oponha a isso seja bom, justo e verdadeiro. Não passa de uma íntima necessidade de não entender nada, uma óbvia incapacidade de perceber o que de real se desenlaça ante seus olhos, já dominados pelo filtro da bondade cor de rosa. 

A sanidade deu lugar a uma saturada enxurrada de lágrimas desesperadas. A mente já não doía, senão que clamava desesperadamente pelo fim, pelo silêncio, daqueles dias tão obscuros que, embora iluminados por uma potentíssima rosa solar, estava repleto de uma névoa escura, hipnótica, seduzente, que escondia o demônio que buscava a quem devorar. E devorou-os. Completamente. 

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