sábado, 16 de fevereiro de 2019

Perfeitamente

Das profundezas surge a figura de um homem, que intenta compreender a própria história. Ele fecha os olhos, e num vislumbre dá de cara com toda a sua existência. Ele está diante da única coisa que é capaz de realmente conhecer: a sua própria alma imortal. Diante de si, despido de todas aquelas mascaras que usa para apresentar-se ao mundo ele contempla algo que difere, e muito, daquela imagem que via cada vez que fitava o espelho. 

O quanto é diferente, aquilo que somos daquilo que mostramos ao mundo. Surpreende até mesmo a nós, que usamos tantas mascaras que chegamos a esquecer como somos de verdade. 

Mas quem é esse? Que tanto fugiu, que tanto se escondeu do mundo num quadro de eficiência perfeccionista, que fez os outros acreditarem, que de fato era alguém bom e importante. Mas não era...

Ele era um homem medíocre, que constantemente fugia de seus fantasmas, que era incapaz de realizar sequer algo simples sozinho. Alguém que nunca iria realizar coisas grandiosas, alguém que sempre ficaria por baixo, admirando os feitos dos outros, com uma inveja incapacitante, fazendo dele um pária, alguém incapaz de ser alguém. 

Essa constatação o constrange de tal maneira que uma voz, a sua voz, constantemente grita em seus ouvidos, lembrando-o sempre de sua existência mais do que patética, de sua existência herética, vil; Uma existência que fere as outras existências, uma existência que envergonha-se de seu próprio ser. 

Um turbilhão o envolve. Gotas pesadas de chuva e violentas lufadas de ar o machucam por todos os lados, ferem-lhe o rosto como as bofetadas que o algozes deram ao nosso Salvador. Mas o Salvador foi elevado numa cruz acima de todos na terra, enquanto ele apenas foi oprimido e humilhado, sendo obrigado a dobrar para cima seu pescoço, vendo a todos sempre por baixo, onde é seu lugar, abaixo, perfeitamente inferior a todos os outros.

Consternado de sua posição no mundo ele se deita numa cama vazia. Onde nunca se deitara o amor... Apenas as bestialidades luxuriosas de uma alma distorcida. Ali ele fecha os olhos e busca ignorar as lágrimas que aquecem o seu rosto ferido pelos cortes do vento, e de olhos fechados ele abre um sorriso macabro. Ao menos os vermes haverão de se fartar com sua carne podre. 

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