sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Sobre uma existência confusa

Há em mim uma confluência de duas forças conflitantes. Uma digladiação, um duelo, com minha mente como campo de batalha.

Parte de mim deseja falar, sem parar, sobre dezenas de pensamentos que fluem com mais força do que os consigo conter. E essa parte deseja gritar ao outro, fazer-se ouvir e ser sentida, percebida. Talvez seja um grito, como o da fera que gritou Eu no coração do mundo, informando a todos os outros sobre a sua existência. 

Outra parte deseja o silêncio. O nada, como costumo dizer. É um desejo de solidão, de aproveitar a minha própria companhia. Sem ouvir as vozes abafadas dos outros me dizendo o que fazer. 

A perspectiva do fim de semana me nocauteia com golpes certeiros acima do estômago. O desejo de me isolar durante esses dias grita como um animal assustado por seu predador. É como se a multidão que terei de ver e conviver nas próximas horas fosse me devorar, ou me expor continuamente ao ridículo. 

Eu sei que o contato com o outro é necessário, e que não posso viver sozinho. Mas é mesmo necessário conviver com o outro agora? 

O contato com o outro me irrita. A lerdeza das pessoas me irrita. A incapacidade das pessoas em me compreender me irrita. Minha incapacidade de fazer os outros me compreenderem me irrita. 

Eu sou eu mesmo, mas os outros não conseguem perceber isso, e me medem segundo os próprios parâmetros. Esperam que eu seja como eles querem que eu seja. Mas eu não sou como eles querem. Não poderia ser nem mesmo se quisesse. 

Eu sou eu mesmo. Mas quem eu sou? 

Eu sou quem quero ser? Não. Se faço o que não quero fazer sou apenas um outro eu fazendo algo que não é da vontade do meu próprio eu. Mas esse eu que faz coisas que não são da vontade do meu próprio eu, ainda sou eu, mesmo que despersonalizado. Então quem sou eu?

Sou um eu sem vontade própria, que faz a vontade do outro na esperança de que o contato com o outro delimite a minha existência, mesmo que, ao fazer a vontade do outro e não a minha deixo de ser o meu eu e me torno outro eu? 

O que eu devo fazer? A responsabilidade social não me permite me esconder. Mas e a responsabilidade pessoal? Como posso me obrigar a fazer o que eu sei que vai me machucar? 

O que eu quero de verdade? Encontrar a mim mesmo no silêncio e no escuro da minha própria paz? Ou encontrar a mim mesmo na minha relação com o outro, onde sei que vou sofrer, ao me diferenciar? 

A cada dia que passa eu amaldiçoo ainda mais a individualidade, que nos torna tão suscetíveis a dor da incompreensão. Acentuada pela insuficiência da linguagem em comunicar ao outro o que ele é incapaz de perceber por si só. 

Por mais que nos comuniquemos com palavras, musicas, metalinguagens em geral, tudo o que o homem é capaz de fazer é balbuciar. Com um alguém sem acesso aos próprios sentidos que, emitindo grunhidos, não é capaz de expressar-se e nem de compreender a si ou ao outro.

Existem então dois de mim lutando no meu interior. O meu eu que deseja falar e o meu eu que deseja se calar. E eu não sei qual desses dois devo ser. 

A existência do homem é uma existência patética, e no entanto sequer temos a coragem de colocar um fim a essa existência. 

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