sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Venha, doce morte Pt. 2 - E tudo retorna ao nada

Todas as coisas seguem um mesmo ciclo existencial. Se houve um início de tudo, existe também um fim para todas as coisas. No entanto, alguns dizem, baseados na Lei da Conservação das Massas de Lavoisier, que "nada se cria e nada se perde, tudo se transforma", tudo bem, mas antes, para que uma coisa seja transformada em outra, é preciso que ela primeiro seja destruida, antes de tomar uma nova forma, e exemplos disso é que não falta ao nosso redor.

A lei da transmutação alquímica diz que, para transformar uma coisa em outra, são necessários três passos: compreensão, decomposição e recomposição¹. Assim, após adquirir o entendimento sobre as substâncias que compõem uma matéria, o alquimista se torna capaz de decompor essa substância, e de reestruturá-la de uma maneira diferente. Tudo precisa ser destruido antes de evoluir. O ouro e a prata precisam ser derretidos antes de serem transformados numa jóia valiosa. E nós não fugimos a essa lei, pelo contrário, ela se aplica ao homem de duas formas semelhantes, porém distintas no que se refere a sua magnitude.

Para que o homem se torne um ser "superior" se é que essa é a expressão correta... Talvez eu deva usar a palavra "sábio". Sim, sábio me parece mais apropriado!

Para que o homem se torne mais sábio, precisa antes passar pelo sofrimento, para só então conseguir adquirir a sabedoria. Precisa ser destruido, esmagado pela dor e pelo sofrimento, para depois reeguer maior e mais forte. As formas como se dão essa transformação no homem são as mais variadas, e não caberia aquie descrever nenhuma delas. Mas é certo que somente através da experiência o homem consegue evoluir e se tornar outro, se tornar melhor.

No entanto, assim como acontece na natureza, nem todas as lagartas conseguem tornar-se borboletas, e nem sequer todas as borboletas conseguem voar. Assim também, muitos homens acabam estagnados na segunda fase da transmutação alquímica e permanecem destruídos. 

Esses quebram a lei e voltam ao nada, a inexistência!?

As vezes a fraqueza é maior do que o sofrimento e dessa forma não conseguimos passar para a reestruturação. Como uma grande estátua que, ao ser restaurada, acaba caíndo e se tornando pó. Não reestrututou-se como uma nova escultura, mas talvez possamos dizer que se reconstruiu como pó. Não sei ao certo quais os limites dessa lei e nem sua aplicação no que se refere ao psicológico do homem. No entanto, estou mais do que convencido de que tudo precisa ser destruido antes de ser evoluído.

Assim como a humanidade. Penso que somente através do retorno a inexistência poderemos ressurgir como uma raça pura e sem máculas, capaz de compreender uns aos outros e de viver em paz com os que são diferentes. Afinal, todos são diferentes. 

Mas não quero que isso se torne um texto semelhantes as loucuras pregadas pelos extremistas do Estado Islâmico (que não é um estado e muito menos islâmico), mas que essa transformação deva dar-se de uma forma superior. Superior pois não cabe a um homem ou grupo de homens auto nomear-se como os supervisores da humanidade e decidir quando ela deve acabar. Não. Mas penso que só através do caos, da destruição total, alcançaremos a forma perfeita. Afinal, não é essa a proposta do Apocalipse? A destruição de tudo o que é imperfeito como o pecado e a elevação dos justos ao estado da perfeita união com Deus? 

Pode soar loucura misturar meu pensamento sobre o sofrimento humano com teorias medievais adapatadas a mentalidades de artistas contemporâneos de sanidade mental duvidosa e religião, mas é assim que minha cabeça funciona. 

O momento pelo qual minha mente nesse momento é o a destruição completa. O momento do caos onde todas as estruturas são lançadas por terra. Mas penso ser eu aquela estátua derrubada no atelier, que não ressurgirá como uma obra restaurada, mas que será reduzida a pó, a cinzas. Assim como naquele dia de ira, que transformará todo o mundo em cinza fria. 

"E tudo retorna ao nada
Tudo começa a cair, cair, desabar
E tudo retorna ao nada
Eu apenas me entristeço, me entristeço, me entristeço, me entristeço."²

As construções caem como se fossem todas feitas de areia, voltam ao nada. Tudo o que se vê é desespero, medo, desesperança. Como se estivesse tudo voltando ao nada, tudo voltando a inexistência. Como se todas as coisas que um dia fizeram sentido, hoje tenham se abstraído de tal forma que não é mais possível definir o que é o azul ou o que é o vermelho. O que está em cima do que está embaixo. As perspectivas são muitas, tantas quantas são as dúvidas. De fato é o Apocalipse pelo qual minha mente tem de passar antes de ressurgir para uma existência nova.

Assim como num cataclismo nenhum povo, nenhum lugar é poupado, também na destruição mental todos os seus aspectos são igualmente destruídos, sem que haja perspectiva de melhoria. Todos os campos então estão se desmoronando. As dúvidas sobre as verdades, sobre o que é o certo ou errado, sobre o devo fazer daqui pra frente, sobre o real sentido de conceitos como o amor, a amizade e o abandono. Tudo isso tem explodido sem precedentes em minha mente e não há forma de controle. Não há como impedir que aconteça. 

Já começou.

O fim do mundo já começou. A destruição de tudo e de todos já começou. Em breve não haverá mais Gabriel. Não haverá mais eu e nem você. Haverá apenas o nada, a inexistência!

Está com medo não é?

- Não, não estou.  Eu sou feliz.  

Porque eu quero morrer.  Eu quero desesperança. 
Eu quero voltar ao nada. Mas eu não posso.  Ele não vai me deixar voltar a inexistência. Ainda não. Eu ainda existo porque ele precisa de mim. Mas quando tudo acabar, quando eu não tiver mais utilidade, ele vai me abandonar. Eu rezei pelo dia em que ele me abandonaria. 

Mas agora... Agora eu tenho medo. 

(Rei Ayanami)

Tudo isso precisa acabar. Esse mundo, as pessoas que fazem sofrer umas as outras, tudo precisa de um fim. Precisamos de um recomeço, precisamos renascer como uma unidade perfeita. Mais do que nunca eu desejo que a Instrumentalidade Humana fosse mais do que uma ideia alucinada de um artista mal compreendido. Mais do que nunca eu desejo que fosse uma teoria verdadeira, capaz de se tornar realidade. Capaz de trazer o mundo ao nada, capaz de levar todos a perfeição através da destruição.

Não faz sentido que esse mundo podre, corrompido e cheio de pecados continue a existir. Não é possível que alguém tão desprezível quanto eu mereça continuar a viver. Não é possível que haja algo de bom que eu ainda possa fazer. 

Não posso fazer nada de útil. De importante. De bom. Tudo o que posso realizar é a desgraça, tudo o que tenho feito é me arrastar na lama como um animal, me deflorando como se não tivesse valor algum, e de fato não tenho. Uma vergonha para pais e amigos. Incapaz de ter e amar uma mulher, incapaz de formar uma família. Incapaz de dar orgulho a alguém. Incapaz. Apenas faço o que ninguém mais quer fazer. Apenas estudo e vejo coisas que ninguém mais quer ver. Apenas levo uma existência vazia e sem sentido que não importa a ninguém. 

O eu que é reconhecido é o eu que ta representando o papel pra poder ser apreciado, mas esse não é meu eu verdadeiro. (Misato Katsuragi)

Com a aparência de um monge sábio, mas com a mente frágil quanto a de um alucinado. A vida que levo é uma mentira. A pessoa que o mundo vê é apenas uma máscara do louco que se esconde. Se esconde por saber que já estaria numa ala de hospital psiquiátrico se não fosse essa pequena e superficial sanidade que o matém capaz de continuar a segurar essa máscara. 

Mas a dor, o sofrimento pela incompreensão e o abandono já estão levando-o ao limite. Esse pobre miserável já não tem mais forças para viver como o mundo deseja que ele viva. Ele deseja voltar ao nada, voltar a inexistência. Deseja fugir de seus medos e de seus monstros interiores. Dos fantasmas do seu passado que o assombram continuamente. E só existe uma forma de acabar com isso. Uma única maneira de acabar com toda essa dor: a inexistência. O nada absoluto onde nenhuma dor ou sofrimento existem pois nada mais existem!

Ao buscar essa inexistência sua inutilidade humana é ainda mais latente. Tudo o que ele consegue fazer é isolar-se num quarto escuro e clamar pelo dia que deixará de existir. 

Pois você é fraco, fraco demais até para morrer e incapaz de uma só realização importante em toda sua existência miserável. Passará pelo mundo sem deixar vestígios, e seu nome será esquecido no exato momento em que derem às costas a sua sepultura, onde ninguém mais o visitará. Onde será devorado pela terra e finalmente, se tornando um só com o resto do mundo, voltará ao nada, fazendo parte do todo. 

Alguns criam grandes teorias que mudam a forma de ver o mundo. Outros criam máquinas que mudam a forma de nos relacionarmos com o mundo. Mas qual o fruto de sua fútil vida? Uma vida entregue aos desejos mais torpes e imundos da mente humana. Uma vida de busca por prazeres para fazer parar a dor, mas que só lhe causam mais dor. Um mundo de convenções sem sentido onde para ser aceito é preciso seguir uma série de normas e condutas criadas por alguém que nem está mais aqui mas que ainda dita o certo, o errado, o feio, o bonito e o socialmente aceitável. Uma existência desgraçada, que será apagada da história como se nunca tivesse existido. Um nada.

Mas nem ao nada você é capaz de retornar. É apenas escória, e as vezes, ao abandonar os amigos em função do próprio egoísmo, é pior do que a escória.

- Desejou um mundo fechado. Que fosse confortável pra você.
- Você o desejou para protegê-lo de sua fraqueza. 
- Para proteger seus poucos prazeres.
- Isso é simplesmente o resultado do seu desejo.
- Sem seu mundo fechado. Num mundo onde só você ter permissão pra estar outros não podem viver com você!
- No entanto, você desejou fechar o mundo que o cerca. 
- Seu desejo ejetou coisas que você não gostava e criou um mundo isolado e solitário. 
- Esse é o mundo que seus desejos criaram. Um céu particular nos recessos da sua mente. 
- É assim que acaba, esse é um dos muitos finais possíveis. 
- Esse é um final que você provocou sobre si mesmo, escolheu esse destino.

Instrumentalidade.

- Escolheu esse destino.³

~

Notas:

¹Não tenho conhecimento algum sobre alquimia, ao menos não conhecimento prático, apenas histórico. A citação usada aqui foi retirada da Fullmetal Alchemist, obra de Hiromi Arakawa.

²Trecho da tradução de "Come, sweet death" (Komm, süsser Tod, na versão original, em alemão) performada pela cantora Arianne, com arranjos do Shiro Sagisu, responsável pela OST de Neon Genesis Evangelion,

³Trecho final do penúltimo capítulo (24) de Neon Genesis Evangelion, do mestre Hideaki Anno.

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