domingo, 18 de setembro de 2016

Passado

O que é o passado? Por que as coisas que fazemos, as pessoas que conhecemos, as experiências que vivemos, todas, ficam gravadas em nosso coração, apenas esperando por um momento em que possam ressurgir e assim, como no bote de um caçador que fica a espreita de sua vítima.

Parece-me que todas as coisas que vivemos deixam em nós um registro. Esse registro fica em nossos corações a espera de um gatilho que o acione. Uma vez acionado esse gatilho desencadeia então uma série de pensamentos. Como então numa verdadeira avalanche, como se todas as lembranças e recordações fossem novamente desencaixotadas e espalhadas pelo chão da sala e assim estampadas grosseiramente a minha frente, sendo impossível passar por elas e ignorar sua presença humilhante.

De fato algumas coisas não deviam ser esquecidas, principalmente os momentos felizes ou tristes, pois os primeiros nos oferecem esperança e força para continuar a lutar e perseverar. Por outro lado, os momentos tristes sempre nos servem de aprendizado para prosseguir e melhorar. No entanto, saber lidar com as recordações é algo essencial para quem precisa aprender com essas combinações de coisas boas e ruins. Boas pois se tratam de momentos da mais pura felicidade que uma pessoa pode experimentar e triste pois essa mesma felicidade é algo que jamais se repetirá. 

Penso que devemos ter bastante cuidado com a forma com que lidamos com as lembranças. As lembranças são romantizadas, as memórias não. E dessa forma, não raramente caímos na armadilha de considerar com uma linda lembrança algo que na verdade foi apenas bom. Frequentemente nossa mente prega em nós essa peça. E frequentemente nos entregamos a essas lembranças romantizadas, mergulhando de cabeça nesse universo que parecendo ser real, na verdade é apenas fruto da criatividade inconsciente de nossa pequena mente distorcida.

Outra armadilha perigosa é justamente oposta a esta. Acontece quando demonizamos memórias felizes no intuito de através do pessimismo adquirido, bloquear as lembranças que hoje lhe são dolorosas. Essa é uma atitude perigosa pois macula as alegrias puras e acaba por nos esvaziar dessas mesmas alegrias, resultando numa existência triste e vazia onde apagamos as coisas boas por medo da dor e do sofrimento que suas passagens nos causariam. 

A forma correta de lidar com tudo isso é através da mesma coisa que precisamos ter em todos os momentos da vida: equilíbrio. Precisamos entender de fato que, momentos bons passam, se vão e ficam guardados em nossa memória como doces lembranças. Romantizadas ou não, são lembranças valiosas. São importantes. São parte de nossa existência. Somos moldados pelas experiências que vivemos e pelas relações que temos com as pessoas a nossa volta. Precisamos aceitar que tudo vem e passa. Tudo passa. A vida passa. É necessário compreender isso e ter uma relação saudável com essas lembranças. Dizer isso significa lembrar e não se machucar com essa lembrança. Significa olhar para o passado como olhamos para uma bela pintura e sentir a calma e a alegria que esse belo quadro nos mostra e assim, não sentir dor, sentir calor, paz. 

Infelizmente olhar para o passado é algo doloroso para todas as pessoas no geral. De fato todos temos algo que gostaríamos de esquecer. De fingir que não vivemos, e de viver como se nada tivesse acontecido. Mas não é assim. A vida não usa dessa peagogia doce que gostaríamos que usasse. Na verdade a pedagogia da vida é fria e dura, mas isso não é algo ruim. Infelizmente somos tão frágeis e isso só mostra o quanto precisamos dessa pedagogia. Precisamos crescer, amadurecer e perceber que nem só de coisas boas é feita a vida, mas também nem só de dor e sofrimento. Equilíbrio. 

Olhar para o passado pode então ser doloroso, mas é necessário para seguir em frente. Seja alimentado pela esperança, ou fortalecido pelo aprendizado, mas é impossível construir um futuro ou bem viver um presente sem ter como base o passado. 

Olhemos pois para o passado com sobriedade, equilíbrio e maturidade e saibamos reter as coisas boas e aprender com as ruins, e mesmo quando nos lembramos de algo bom que passou, que essa lembrança nos sirva de estímulo, e não seja motivo de dor e sofrimento. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário