quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Paisagem

O homem é como uma paisagem em constante mudança. Como um arquipélago que visto pelas janelas de um grande castelo muda continuamente suas cores e humores e está sempre diferente aos olhos de que o vê, muito embora seja sempre o mesmo.

Essa comparação se deve ao fato de que, mesmo sendo sempre os mesmos, nossas características se mudam e se transformam de tal modo que, sob o olhar desatento, podemos até mesmo nos parecer com outra pessoa. Observemos atentamente a uma paisagem que muda de acordo com as estações e observemos o nosso próprio coração. Iremos notar o quanto somos parecidos com a natureza pois fazemos parte dela e assim como ela, também obedecemos as suas leis e estamos sujeitos a todas as suas tranformações. Não somos diferentes de uma planta ou de um rio nesse aspecto. Nossa única diferença se encontra na alma e na semelhança com Deus, pois de resto, em tudo somos iguais aos animais. 

Até mesmo a mais bela das paisagens naturais passa pelos dias de uma estação ruim. As folhas e flores, que antes brilhavam vistosamente sob a luz do sol e encantavam o olhar dos seus admiradores a voarem delicademente com a brisa, agora caem e apodrecem ao chão, virando alimento para a própria Terra. As águas do mais belo rio, que correm imponentemente sem encontrar nenhum obstáculo encontram na seca sua desgraça. Sua força é ceifada pelo sol escaldante e pela falta de chuva e quando o fundo do rio outrora cheio se torna quebradiço como as peças de um jogo infantil, o rio encontra sua morte. 

A natureza nos ensina então que, até mesmo as maiores arvores perdem sua glória, suas folhas, e assim, precisam passar por um período de provação e seca para só então, encherem-se novamente com o brilhante verde da esperança numa nova estação. Mas tão logo suas copas se enchem de folhas e flores e os frutos começam a nascer, logo vem a seca e acabam com toda sua vistosidade novamente. A natureza através desse ciclo então nos ensina que nada dura para sempre, e que é preciso mudar constantemente para continuar a sobreviver. 

Assim também podemos encarar a vida, como um eterno ciclo de mudanças e inconstâncias que nos fazem sobreviver. Cheia de altos e baixos é então a vida que busca nos ensinar o que viver, o que é aprender.

Começamos com a pura e tenra infância. Repleta de brincadeiras e sorrisos, a criança gosta de imitar os mais velhos. Suas brincadeiras, muito embora envolvam sempre elementos fantasiosos e mágicos, é sempre uma versão da forma como as crianças enxergam a vida que levam os adultos. Não é difícil ver as crianças brincando de exercerem as profisões dos pais ou dos adultos mais próximos. É uma fase clara, calma, onde nossas maiores preocupações logo são esquecidas pela fase seguinte da vida.

O período que se segue é de uma combinação estranha de luz e trevas. A brincadeira da infância de imitar os adultos não foi abandonada, apenas ganhou uma nova roupagem e agora, sob o véu de um crescimento que não se deu e de um amadurecimento que não aconteceu, os adolescentes irritantes se passam por versões ainda mais insurportáveis dos adultos. Quem dera se tívessemos autorização para amarrar-lhea pedras ao pescoço e lançá-los ao mar se não se comportassem corretamente, mas infelizmente a "evolução" da sociedade nos privou dessas correções. Resultado: adolescente imbecis que pensam serem algo que não são e que merecem nada mais do que destinos tãos cruéis quanto a diabólica mente humana possa conceber. 

Aqueles que sobrevivem a essa fase sem transformarem-se em demônios malignos sob a roupagem de pessoas podem ser chamados de jovens. Essa é uma fase que, embora envolta por luzes, é na verdade de trevas. Trata-se de um período de intensas incertezas e de verdades que nos são arremessadas na cara sem delongas pelo mundo. As responsabilidades se tornam um verdadeiro pesadelo e a iminência de um mundo totalmente novo sob nossa responsabilidade nos assusta de tal forma que não conseguimos sequer sair do lugar.

É nesse período que também nascem os primeiros grandes sentimentos. Os amores que arrebatam nossas mentes e que brotam naturalmente de nossos corações, e as vezes de nossos hormônios, acabam que por ocupar a maior parte de nossas mentes. Como resultado nos tornamos jovens ansiosos e amedrontados com as expectativas do mundo que vem se revelando hostil à nossa frente e ocupados demais com nossas paixões para enfrentar esse mesmo mundo. 

E então desabamos. 

Daí nascem os colapsos, as depressões, os surtos. 

Tudo vem dessa enorme quantidade de coisas que não sabemos como resolver e nem como lidar mas que ainda assim são lançadas sobre nós sem nenhuma clemência. Mas talvez isso seja a seleção natural agindo. 

Das centenas de tartarugas que saem dos ovos depositados na praia que andam em direção ao mar, poucas são aquelas que sobrevivem e conseguem chegar à vida adulta. Talvez no caso do homem, só consegue chegar a vida adulta aqueles que passam pela praia da juventude sem enlouquecer sob o peso do mundo que é lançado sob suas costas. Talz só não queiram nos contar, mas aqueles amigos que nossos pais falam com tanta nostalgia e que nunca mais tiveram contato, na verdade tenham enlouquecido e façam parte dessa parcela desconhecida de pessoas que não conseguiram passar pela juventude de forma sã.

Não sei se o caminho que estou traçando é o correto. Não sei nem ao menos dizer se estou traçando algum caminho. As vezes, como hoje, tudo o que consigo é ficar deitado no escuro, ouvindo músicas lamentosas e contemplar o imenso abismo do meu vazio interior, sem saber que decisões tomar e nem que passos devo dar para conseguir um rumo para minha vida. A meditação e a contemplação são por vezes minhas únicas companhias. Como nessa noite, quando ao som de Debussy, eu permito que minha mente viaje para mundos distantes. Para ilhas onde o amor é vivido intensamente. Onde meu prícipe encantado me espera para ao meu lado caminhar por belos jardins... Pra juntos tomarmos as refeições em grandiosos e luxuosos salões, onde imensos candelabros de cristal pendem sobre nossas cabeças, e os pássaros cantam ao longe. Onde a música nunca acaba e onde os gemidos de amor nunca terminam... E assim, sem que eu tome nenhuma decisão, minha mente vai viajando pelos mundos que ela mesma cria e não me permite encarar a realidade como ela é.

Talvez seja imaturo demais e fraco demais para encarar as verdades e por isso minha mente me proteja criando essas versões filtradas da verdade. Mas se as grandes obras da humanidade, antes de tomarem forma no plano concreto foram primeiramente ideias, por que isso significaria que o mundo onde minha mente frágil se refugia não é de verdade?

E a paisagem de minha mente muda mais uma vez. 

A primavera florida e alegre já se foi. Há ainda o frio inverno e o triste outono. O verão não é menos doloroso e até as flores da primavera guardam seus espinhos. Na verdade a vida não é um ciclo de momentos bons e ruins, mas um ciclo de momentos, que podem ser bons ou ruins, dependendo da forma como os encaramos. 

O mar revolto pode se acalmar. As folhas e flores podem voltar a crescer, se a raiz ainda estiver firme na terra. Não importa então as mudanças externas que a arvore sofra, seu interior, aquela sua parte fincada no íntimo da terra não terá mudará. 

Podemos mudar nossa aparência, nosso humor, nossas características, e vamos com certeza mudar. Mas as raizes permanecerão. Não importa a chuva ou o sol. Não importa quantas folhas caiam ou quantos frutos venham a nascer, a raíz permanecerá. Isto é, a essência da arvore, a essência do homem, essa nunca mudará.

Apenas a paisagem, que se transformará conforme as estações do ano. 

"Você prometeu não me abandonar em nenhuma primavera, ser meu amante em todo verão. Prometeu que se esfriássemos no outono, nos aqueceríamos no inverno." (Jayne Vituriano)

Nenhum comentário:

Postar um comentário