Como manter um centro de atenção, a mente presente, quando tudo ao redor induz a uma loucura generalizada? Tento me proteger de todos os modos possíveis, com uma melodia interior, mãos dispostas, um meio sorriso, na intenção de não me deixar levar pela onda, avassaladora, daqueles que se entregaram, muitas vezes sem nem mesmo perceber, ao caos.
Os problemas, diminutos e, muitas vezes, ridículos, quando somados, acabam se tornando esses entraves que requerem paciência e sabedoria, também estas não raramente indisponíveis na mesma proporção em que são demandadas.
Bem, continuo aqui, mas tentando, tentando. Vendo tudo e todos funcionarem pela contínua aglutinação de problemas que se tornam problemas enormes. Enquanto isso, tento me concentrar na minha melodia interior. Não na gritaria das crianças, das coisas espalhadas na mesma (que não é culpa das crianças porque elas não alcançam a mesa), no barulho insuportável da TV no quarto ao lado com aqueles programas de auditório de qualidade duvidosa. Não nos idiotas que gostam de criar shows com o Santíssimo Sacramento, enchendo no coração dos pobres fiéis à ideia de que a presença de Cristo se mede pela sensação dada num ambiente artificialmente controlado. Qualquer um, inclusive eu, me emociono com uma música tocada em tonalidade menor, com vocais em contraponto repetindo a mesma mensagem em alto volume, meia luz, cenário e atuações sentimentais. Induzindo ao erro bobo, e protestante.
Me lembro, e claro que ninguém nem sequer ouviu falar disso, de São João da Cruz explicando os perigos que de apegar a essas consolações, as lágrimas, a tudo isso que torna nosso coração mais terno por um tempo. Como o nome diz, é uma graça concedida para abrandar as almas exaltadas para que elas se preparem melhor para a aridez que se segue, e que essa, sim, eleva e aproxima a alma de Deus. Mas não posso escrever aqui um tratado de teologia ascética quando há tantos excelentes por aí. E este é o grande problema: eles estão disponíveis, mas os fiéis nãos os querem, porque eles falam da aridez, do vazio, das tentações, e elas querem apenas a promessa da cura, da queda das muralhas. É a teologia da prosperidade impregnada no Santíssimo Sacramento, que sofre como personagem secundário nesse teatro horrendo.
Essa é apenas mais uma das coisas que tento não prestar atenção.
Também tento não pensar no coração. Nos amores que nunca foram e nos que não devem ser. Nos amores que eu não que minha dependência emocional criem. Porque é sempre assim, a proximidade produz o desejo em mim e, no outro, a repulsa, ao mesmo tempo, e proporção.
Juro que pretendia dar a esse uma forma melhor. Mas a impressora estragou, o home theater desconfigurou, uma entrega chegou, a criança chorou, a outra gritou, as panelas caíram, as pessoas ralharam e eu, bem. . . Eu me esqueci da forma. O frio me deixou inspirado. A reprise de Be Loved In House: I Do, também. Mas acabei perdendo no meio desses brinquedos jogados no chão, entre biscoitos quebrados e controles remotos perdidos. Perdidos como eu que, fui ao quarto, tomei os remédios e sentei aqui para escrever, sem forma e sem contorno, enquanto ouvia Chopin e Mahler.
E assim adormeci, longas e deleitosas horas. Nesses dias de inverno, dormir é como ser abraçado por anjos fofinhos. Ou talvez seja porque eu misturei vinho com os remédios. Acho que vou fazer isso de novo hoje. Pelo menos consegui assistir um pouco. Achei que ficaria mais feliz com os muitos livros que comprei, acho que pouco mais da metade já chegou, e eu sei que vou ler porque tem coisa muito boa ali, mas, ao mesmo tempo, sabendo que foi um exagero, de certo ponto de vista, esperava que ficasse mais feliz ao ver minha biblioteca crescer. Schopenhauer quase batendo à minha porta...
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