Quero transformar esse momento numa espécie de ritual. Na verdade, já o era para mim, mas acabei perdendo-o nas areias do tempo. Deitado no tapete, com uma xícara de chã fumegando, penumbra, e um concerto tocando, Rachmaninoff ou Chopin, Brahms ou Mozart, qualquer um que, por aqueles minutos, me ajudassem a relaxar, e não cobrar, e não buscar entendimento.
Falava isso mais cedo com um conhecido. Ele, sempre muito certeiro em tudo, por vezes acaba entrando em embates desnecessários com os outros por ser direto demais, o que, não raramente, torna sua visão das situações equivocadas, não de todo erradas, mas parciais demais.
E então me recordei das lições do Prof. Olavo, de que o homem de estudos precisa estar habituado e, mais do que isso, confortável com o estado de dúvida. Porque essa condição é inerente a mente humana: ter dúvidas faz parte do ser humano, e isso o temos desde o primeiro pensamento. Adão, ao querer a certeza dos deuses, caiu em pecado. Tantos reis, imperadores, conquistadores, ao terem a certeza de sua supremacia, caíram. Quando o homem encontra alguma certeza, em verdade, encontra seu fim. A dúvida faz o homem permanecer em busca, continuar a caminhar.
No âmbito religioso, a dúvida nos leva a fé. A fé não é certeza, no sentido intelectual do termo, mas confiança numa pessoa, no Cristo e nas suas promessas. Eu confio em Cristo, mas não posso saber se vou ou não para o céu, não por culpa d'Ele, mas pelos meus próprios pecados. Por isso eu apenas confio, na misericórdia, e espero o perdão dos meus pecados e os sinais que Ele quiser me oferecer.
Por exemplo, enquanto fugia, durante essa semana difícil, de todas aquelas situações complicadas envolvendo o Santíssimo Sacramento, e eu no propósito de rezar em reparação, mesmo ciente de meu estado de pecado, acabei indo participar da Missa em honra do Sagrado Coração, e no Oferecimento Diário havia justamente uma prece em reparação, a qual eu nunca tinha prestado a devida atenção. Naquele momento senti a confiança, não a certeza, de que estava fazendo a coisa certa, o que me conduz, com confiança, a voltar ao estado de graça, para que minhas preces em reparação tenham efeito mais profundo na minha própria alma e nos que me cercam.
Mudando completamente de assunto, agora na minha coleção tenho duas canecas de mesmo modelo, mas de cores diferentes, como canecas de casal. Casal que deita junto no tapete para ouvir música, tomar café e fazer carinho. Penso nisso enquanto ouço, sozinho, o último movimento do Concerto para Piano N° 2 do Rachmaninoff, um de meus favoritos, enquanto tomo um chá chileno de oito ervas. Logo vou dormir. Sozinho.
"A atenção se assemelha ao amor." (Louis Lavelle)
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